domingo, fevereiro 08, 2004

Editado: Observação incluída.

049. (07 Fev) O Fim de um Longo Dia (The Long Day Closes, Terence Davies, 1992 | vídeo, Look, 84' | ****)


Nas ótimas experiências cinematográficas deste início de ano, O Fim de um Longo Dia e Meu Vizinho Totoro se destacam como painéis da infância pouco idealizados. Em particular o de Davies, com viés auto-biográfico, consegue extrair poesia dos momentos/situações mais banais (idas ao cinema, inspeção médica escolar [e qualquer outra que retrate a convivência interna dentro da instituição, especialmente com os professores e o diretor autoritários e com os poucos amigos que faz], canções populares [no mesmo estilo de Vozes Distantes, evocando a mesma sensação de nostalgia não- (excessivamente) romantizada], os irmãos do protagonista saindo para bailes ou passeando de bicicleta, a narração maravilhosa de The Magnificent Ambersons etc.) e criar cenas de encher os olhos e coração ao mesmo tempo (minha favorita: a câmera passeia pelas escadas sobre as quais ele brinca, se funde nas poltronas do cinema, depois segue para os assentos da Igreja e conclui nas carteiras da sala de aula - durante alguns minutos, Davies resume o que é a vida do garoto: os momentos inocentes de brincadeiras idem, o amor pelo cinema e a educação rígida e Católica). Ainda acho Vozes Distantes mais completo e com uma capacidade de tornar palpável toda aquela poesia ainda mais consistente; a diferença entre ambos reside no fato de Vozes ir e vir no tempo com cronologia não linear e entrecorte de observações pessoais, mostrando o que aquelas pessoas eram e o que são atualmente (fala sobre perspectivas e desejos que mesmo concretizados ou não, foram necessários para manter a unidade familiar, de alguma forma) enquanto Longo Dia se concentrar apenas nas recordações, sem interferência direta (leia-se: balanço pessoal; antes vs. depois - "direta" pois é óbvio que sua visão está em cada segundo de filme) de Terence Davies. A cena final, servida com uma música indescritivelmente bela, retrata que o longo dia da infância despreocupada e feliz chegou ao fim com o início das obrigações (representadas pelo compromisso escolar e as necessidades do menino de fazer novas amizades se "libertando" do carinho extremado dos familiares) da vida adulta; o céu se "apagando" em uma escuridão nos diz o quanto essa transição não é sentida por nós. Mesmo contra a nossa vontade, simplesmente acontece.


Obs: Estava revendo algumas cenas e me recordei de uma linda, que não mencionei. Um dos irmãos do protagonista junto com sua namorada se despedem em frente à porta da sala de estar da casa da família. As palavras correspondidas são trocadas por diálogos de um filme qualquer (provavelmente um que o garoto tenha visto já que isso ocorre em sua imaginação) que diz, a certo momento: "Você não precisa dormir agora...". E tudo culmina com a porta se fechando (o casal ainda do lado de fora) e com o Toque de Lubitsch, eles se beijam; enquanto isso, uma daquelas canções é perfeitamente inserida no conjunto, figurinha fácil nos dois filmes do diretor que vi. Essa cena pertence à porção saudosista do filme (reparem: saudosismo dentro do saudosismo), o menino, já ciente do fato que terá de largar da barra da saia da mãe e ir à luta, incentiva sua própria criação de um mundo paralelo no qual ele possa usar o que conhece nas suas constantes idas ao cinema para benefício próprio (no caso, nas artes do amor). Digamos que é um Yasujiro Ozu (especialmente meus favoritos Pai e Filha e A Rotina Tem Seu Encanto, que lidam com o tema da transformação inexorável, reinvenção contra vontade própria etc.) na versão mirim.

Ok, eu comparei Davies com Lubitsch (?!?) e Ozu (?!?). Me internem, por favor. Mas antes, assistam ao filme.


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