quarta-feira, fevereiro 11, 2004

Adendo acrescentado com aspectos que chamaram minha atenção em A Viúva Alegre e Comentário para A Boneca do Amor, filme mudo da fase alemã do diretor.


056. (10 Fev) A Viúva Alegre (The Merry Widow, Ernst Lubitsch, 1934 | vídeo, Cult & Classics, 99' | ***)

057. (11 Fev) /A Viúva Alegre/ (The Merry Widow, Ernst Lubitsch, 1934 | vídeo, Cult & Classics, 99' | ***)

Tão gracioso, elegante, encantador... Tudo o que se espera de Ernst Lubitsch. Mas eu peco por esperar muito de seus filmes. Muito. Demasiadamente. Exageradamente. Excessivamente. Compulsoriamente. Quem manda ver Ladrão de Alcova e querer que qualquer trabalho dele seja tão deliciosamente amoral quando observa a interação de diferentes classes com aspirações diametralmente opostas (e não só porque essas classes estão representadas por um homem e uma mulher e o interesse é o amoroso... no estilo do diretor os interesses são conflituosos e não gravitam na mesma esfera do ama-não-ama; existe uma espécie de descontentamento subjacente com a sociedade e as "etiquetas" e demarcações fáceis que ela nos impõe)? Quem manda A Viúva Alegre não se (des)envolver mais para o lado da convivência entre estranhos (que, honestamente, Lubitsch faz mais e melhor [ok, analogia com Ladrão] que um A Regra do Jogo da vida) e cair no básico do padrão EL genérico: gracioso, elegante, encantador. Graça, elegância e encanto: eu espero sempre mais do Mestre do Toque.

Adendo: Na revisão pode-se constatar o perfeito trabalho do som (presente em qualquer filme de Lubitsch, com destaque para... ah... Ladrão de Alcova e Uma Hora com Você) que se modifica a cada reviravolta/novo elemento indicando surpresa (observar a cena do julgamento); o uso do diário como reflexo da vida social e pessoal da respectiva pessoa que o mantém (e a ausência de palavras após a morte do marido da protagonista indica resignação e repetição se fim ["Caro Diário: sou viúva.", "Nada para escrever" etc.] e quando ela encontra Chevalier, se sente renovada e escreve o que não escreveu nos últimos meses somente pela promessa de amor [em uma daquelas geniais tomadas "simplificadoras" do diretor vemos o pote de tinta cheio se esvaziar quase até o fim]); a decisão da viúva de trocar o luto do preto pela vivacidade do branco (incluindo o cão) é inspirado; no jornal que é apresentado na tela (sempre tive curiosidade para ler suas manchetes [um exemplo maravilhoso são as criadas no desenho da Pixar Monstros S.A.]) o subtítulo do mesmo é "A Paper for Table and Stable" ["Um Jornal para a mesa e estábulo"] que reforça o caráter agrário de Marshovia (por sinal, apresentada com ajuda de um close-up e de uma lupa); a referência à Napoleão na sala privada do Maxim's; uma gag de forte conotação sexual quase passa despercebida: é retirado de Chevalier, no julgamento, suas algemas, com a seguinte inscrição: "De Dolores (a esposa do Rei, com quem ele tem um caso; descoberto em uma das cenas mais inspiradas do filme com perfeita direção de atores [talvez o ponto alto dos galanteios deliciosos do ator]) para Danilo" (o personagem de Chevalier) - queria saber como ela passou no crivo da censura norte-americana...; cenas memoráveis: a valsa na Festa da Embaixada, "Você já teve relações diplomáticas com uma mulher?" e a cara de cafajeste-mor do ator mais encantador da década de 30, o café, a mensagem cifrada, o troca-troca da medalha, e encantadora cena final (com destaque ao diálogo: "Que nossos corações se mantenham gelados como esse champanhe. [após experimentá-lo] Poderia estar mais gelado..."). Estou pensando em conceder mais uma estrelinha ao filme.

***

A Boneca do Amor é (redundância a seguir) delicioso, com seu clima de fábula (o próprio diretor monta o cenário do filme como uma maquete [que, em uma transição inteligente, ganha dimensão real] na cena que o abre; o Sol tem várias faces expressando uma certa observação mágica/especial dos acontecimentos narrados; o cabelo do inventor e alternância de coloração para mostrar a ansiedade e preocupação, os balões no final; os animais presentes são ora representados por pedaços de papelão [galo] ora interpretados por humanos [cão e cavalos com vontades próprias]) e subtexto sexy (a reação da boneca/mulher quando o príncipe começa a despi-la a fim de colocar em seu corpo o vestido de noiva; a cena em que os dois escapam do monastério e ele a ajuda a pular o muro) mas com algumas observações completamente destoantes do conjunto (notadamente a herança do tio do príncipe e a disputa pelo testamento dos nobres parasitários a sua volta; a valorização excessiva do dinheiro por parte dos religiosos e o egoísmo [comida] e ambição dos mesmos [dote]) e outras muito facilmente resolvidas (as "genia's" do protagonista, a começar pela misogenia e aversão a tudo que se relacione à casamento, inclusive mulheres). Mas as cenas divertidas se destacam, com a imposição das necessidades pessoais da garota (espirrar, tossir, comer, beber) sobre a estaticidade da boneca e o assistente do inventor, que sempre se dirige a câmera/espectador para condenar os atos indelicados do patrão e nos dizer que ele não pôde revidar porque apanharia ainda mais (foi surpreendente a aparição desse recurso em um filme da década de 10).


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