sábado, novembro 12, 2005

adicionado: LILA DIZ + uma explicação que começa com 'é inexplicável'.

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289-357 (22 set - 12 out) Festival do Rio + dois nórdicos + ALILA

358. (13 out) /ESPELHO MÁGICO/ (Manoel de Oliveira, 2005)* 49

359. (19 out) EL BONAERENSE (Pablo Trapero, 2002) 59

360. (19 out) HORA DE VOLTAR (Zach Braff, 2004) 52

361. (20 out) O FANTASMA (João Pedro Rodrigues, 2000) 48

362. (20 out) /EXÍLIOS/ (Tony Gatlif, 2004)* 56 [originalmente: 63]

363. (20 out) /A VIDA MARINHA COM STEVE ZISSOU/ (Wes Anderson, 2004) 82

364. (21 out) I'LL SLEEP WHEN I'M DEAD (Mike Hodges, 2004) 61

365. (21 out) /A VIDA MARINHA COM STEVE ZISSOU/ (Wes Anderson, 2004) 84

366. (24 out) FILHAS DO VENTO (Joel Zito Araújo, 2005)* 45

367. (26 out) OS IRMÃOS GRIMM (Terry Gilliam, 2005)* 40

368. (26 out) HENRY FOOL (Hal Hartley, 1997) 74

369. (27 out) A OUTRA FACE DA RAIVA (Mike Binder, 2005) 57

370. (28 out) UM DIA SEM MEXICANOS (Sergio Arau, 2004)* 34

371. (28 out) O REI DE NOVA YORK (Abel Ferrara, 1990) 73

372. (28 out) LABIRINTO DE PAIXÕES (Pedro Almodóvar, 1982) 66

373. (29 out) /RUSHMORE/ (Wes Anderson, 1998) 91 [última revisão: 84]

374. (29 out) WERTHER (Max Ophüls, 1945) 75

375. (29 out) SECRETÁRIA (Steven Shainberg, 2002) 37 (vamos a cena: nossa heroína presencia o pai bêbado batendo na mãe e, na cozinha, ferve água em uma chaleira, sobe as escadas, vai para o seu quarto, levanta a barra do vestido e se queima, após uma expressão de dor no rosto, o alívio. essa seqüência desenrola-se logo no início do filme, quando a protag. deixa a clínica de reabilitação (a desordem que a colocou aí não é especificada prontamente), promovendo uma curiosidade compulsória nos espectadores, observando avidamente algum indício, um comportamento Fora do Normal por parte dela, de volta a casa dos pais. se não me engano, antes da cena citada, já temos uma em que ela se corta propositalmente, mas ainda assim, é uma cena-chave para comprovarmos o que quer que queiramos comprovar (talvez o corte da cena anterior indique 'tristeza suicida' e não 'conforto na dor'). a chaleira, no caso, poderia ser usada para fazer um chá com propriedades terapêuticas (uma recomendação da clínica?) ou a água quente no seu interior poderia ser jogada em seu pai como se ela exclamasse Basta aos seus abusos. mas ela acaba por se queimar. o trágico nesse raciocínio é ele revolve unicamente em aceitarmos que aquela mulher tinha opções infinitas com aquela chaleira, mas ela optou pela atitude mais incompreensivelmente extrema (nos falta subtexto para racionalizar isso fora deste âmbito) e somente a comparação entre o que uma pessoa normal faria em uma situação daquelas e o que foi feito de fato pela protag. já constitui no mais râncido dos processos de identificação propostos, já que nesse filme ele se traveste de um 'teste de fé', manifestando apreço pela psicologia barata ('ela é problemática porque tem problemas em casa.') e avaliando nossa compaixão/solidariedade como uma ferramenta útil para permanecer ileso nesse mundo pervertido de cores pastéis, honrando assim toda a glória do modelo-padrão da comédia de originalidade esquisitóide. outro detalhe dessa mesma cena é a ambientação no quarto dela: o cômodo, localizado no segundo andar da casa, ganha aqui ares de Refúgio, é decorado de forma a parecer uma ilha de afetação, projetada por uma menina de 15 anos deslumbrada com penduricalhos multi-coloridos e muito fru-fru, denotando nas entrelinhas que aquele local foi intocado pelos pais (talvez eles quisessem apagar tudo e começar do zero com a filha quando ela retornasse para casa?) e, principalmente, que a protag. está parada no Tempo, se refugiando no Passado. é um subtexto inglório justamente por ser perfeitamente calibrado, pois sabemos que algo assim nunca será retomado em momento posterior nenhum, é apenas um toque poderoso, mas feito por efeito e não por convicção. trata-se realmente um filme de Toques, alguns bons e subaproveitados (a mãe leva e busca a protag. no seu emprego, e a última nunca vai no assento do carona, preferindo ir deitada no banco traseiro, que em alguns momentos parece um divã, dada a quantidade de elucidações que a primeira explicita para tentar tirar alguma coisa da filha), outros óbvios e superaproveitados (as flores no interior do escritório de spader, mantidas com cuidado extremo; uma delas é surrupiada pela protag. que a leva para casa e também cuida com dedicação da planta; é praticamente uma declaração de amor que não-tão-sutilmente-assim revela que 'é preciso ter dedicação para manter algo vivo', hmmm, seria o amor entre eles?) que pensam estar maduros o bastante para constituirem Temas, mas que são só rascunhos da primeira leva. identificar os Temas como Rascunhos de um Emaranhado de Toques dificilmente abarcará as noções risíveis de shainberg a respeito dos relacionamentos humanos, e de humanos, mesmo. para o diretor, uma comédia com requintes de sadomasoquismo ganha relevância quando tudo -- inclusive relações de conduta tipicamente burocráticas -- ganha um tom meio desequilibrado, a-beira-do-precipício: quando a protag. e seu namorado boa-praça trepam e ele pergunta para ela 'se ele a machucou', bam!, close no rosto dela, desapontado. é 'engraçado' pela consciência do cara de que trepou como uma máquina e pela reação da mulher que queria que a máquina tivesse uma potência maior, mas não deixa de conter uma subversão tão almejada quanto planejada, entendendo as necessidades da mulher moderna nesse departamento (preliminares, carinho como aquele dedicado a Planta) como deficientes para essa mulher em particular. tão deficientes, mas tão deficientes que um sadomasoquista só pode ser compreendido realmente por um sadista dominador; o diretor depositou suas fichas nessa idéia e criou um clip de cinco minutos exibindo o casal principal naquela harmonia de comercial-de-margarina (incl. tomada constrangedora de spader passando a mão nas cicatrizes do corpo da mulher amorosamente, com expressão 'agora te entendo pela primeira vez') e um casamento com vestido de noiva preto e lua-de-mel num tronco de árvore. a lógica é simples: estamos diante dos enferrujados mecanismos das comédias românticas, em que Necessitado Encontra Necessitado, e aqui, como num passe de mágica, a ligação entre uma pessoa que gosta de bater e outra que gosta de apanhar é imediata (a química, a química). até aí tudo bem, esse casal só se difere dos outros em hábitos e endereço, mas shainberg mete o bedelho e faz uma rendição da sociedade perante esse mesmo casal, deliciosamente estranho e institinvamente puro, quando coloca a imprensa local (/a voz popular) cobrindo a greve de fome da protag.. é como se a sociedade aceitasse o casal apenas superficialmente, apenas observando a distância a forma encontrada por ela para expressar seu amor (ela o ama, ela não ama a dor provocada por ele) mas, em contrapartida, é como se os espectadores aceitassem o casal apenas superficialmente, apenas observando a distância a forma encontrada por ela para expressar seu amor (ela o ama, ela não ama a dor provocada por ele). se você pensar bem, é uma ironia plausível -- testemunhar que, agora, ela não é mais uma pária, fazendo parte do meio social justamente por expressar seu amor nesses termos convencionalmente fatalistas ('volta para mim ou eu me mato') -- mas nada adequada já que em nenhum instante ela foi tratada como pária (não que esse tratamento garantisse a minha simpatia ao filme) mas sim, como uma mulher que ama a-sua-maneira. é o típico caso de muito-barulho-por-nada, embora deva se fazer algum barulho para dizer que eu nunca me deparei com uma narração em off tão absurdamente grotesca quanto essa, pipocando sempre que possível para fazer algum comentário sobre as intenções da respectiva cena dentro do Contexto Geral do Projeto, ou algo assim.)

376. (30 out) /EU AINDA SEI O QUE VOCÊS FIZERAM NO VERÃO PASSADO/ (Danny Cannon, 1998) 53 (...enquanto isso eu ainda não sei o que fez desse petardo uma experiência agradável, interessante e bastante digna (pelo menos antes de sair dos trilhos na meia hora final). passou em sessão dupla na tv com o filme anterior, e como esse log não me deixa mentir, eu admito que a primeira parte não passou pelo meu crivo uma segunda vez, exceto pelos últimos minutos. pouco importa, aliás, melhor assim: todo o subtexto da consciência pesada do primeiro filme (antes, obviamente, do pessoal descobrir que o morto está mais-vivo-do-que-nunca) ganha de lambuja uma temática subseqüente, uma resposta a altura, a Paranóia de uma mente atordoada pelos fatídicos-mas-não-fatais acontecimentos anteriores. justamente por não rever o debut da série já devidamente enterrada, esses fatos estão notoriamente vagos e indistintos na minha cabeça, mas não a ligação entre um filme e outro (a cena final de EU SEI é um gancho clássico, trazendo inscrito no espelho do banheiro da protag. o início do título do próximo: EU AINDA SEI; esse daqui começa com um sonho, de cores fortes e sombrias, dentro do confessionário, no qual o padre é o assassino), o que indica tanto que o espaço de tempo entre um e outro foi consumido por esse tipo de ameaça nebulosamente anunciada e não levada as últimas conseqüências, como também parece unir os dois filmes dentro de uma idéia meio estagnada, aérea de superação de adversidades, a qual temos um provável delírio no banheiro (ninguém mais leva a sério esses ganchos, eles são praticamente um teaser do próximo filme) unido a um outro delírio -- esse, delírio ao pé da letra -- deixando o terreno para a continuação produtivamente incerto (p. ex.: será que personagem X do filme 2 estava presente no filme 1? como eu não me recordo eu faço um pequeno diagrama: se sim, porque então ele não manifesta nenhum vestígio de paranóia, ou mesmo se não for o caso, porque não revela seu alívio por estar vivo? se não, porque aqueles momentos finais o qualificam como participante da tragédia anterior, mostrando que ele está 'interessado' naquilo -- ou será que é um interesse exclusivamente presente para aumentar suas chances de 'salvar a pele' --, dizendo coisas como 'mas ele não estava morto?' e recebendo como resposta 'o corpo nunca foi achado'. obviamente tal personagem poderia ter apenas conhecimento da história, como eu e você, mas como eu não me lembro do primeiro filme...), já que nesse filme, já começamos pisando em ovos, sem nenhuma observação denotando que a vida dos personagens poupados foi reconstruída. (eu sei, esse argumento é patético, praticamente louvando o fato de ter perdido o outro, então encare a cotação como 53-sem-ter-visto-o-anterior-recentemente). enxerga-se paranóia em tudo (alerta! mente tumultuada!), inclusive minha reação diante da clássica cena em que a rádio pergunta para a amiga da protag. qual é a capital do brasil e a outra apanha um pacote de café e observa em algum canto 'rio de janeiro' (a interlocutora diz primeiro 'rio' e depois, 'rio de janeiro', como se fosse novidade a segunda parte) foi justamente uma pegadinha mortal e realmente é (obviamente não excluo a possibilidade disso ter permanecido em alguma gaveta do meu subconsciente esses anos todos, além disso, o fato de saber qual é a capital do brasil me coloca em vantagem; voltarei a isso no fim desse comentário, paciência), mas essa primeira metade é tão ensolarada e cheia de gente querendo transar, e lotada de complicações amorosas que pedem desenlace imediato que esse é quase um detalhe. chegamos na ilha e prontamente temos várias pessoas tipicamente sinistras encarregadas das mais diversas atividades; o cara do barco que os leva ao hotel diz que 'só se chega e sai da ilha com aquele transporte', o carregador diz que as suítes concedidas para o quarteto 'raramente são usadas', a moça do bar tem aquela espontaneidade geralmente associada aos efeitos do álcool e diz que 'amanhã começa a baixa temporada' etc. cada um ali está disposto a produzir uma alfinetada em nossas pretensões sanguinárias, despertando-as, recorrendo a fatos que geralmente ocorrem na pior das hipóteses em resorts e colocando tudo no mesmo saco com um lacônico 'boa sorte' estampado. tudo é esquemático, mas os diálogos são supreendentemente vívidos, alguns tanto que se assemelham aos de armitage, quando não estão preocupados em fazer homenagens a jason e freddy; p. ex., quando se depara com uma cabine de bronzeamento artificial, nossa heroína solta algo como 'caixa do câncer' antes de entrar nela e é o tipo de comentário deliciosamente espertinho que origina uma certa preocupação minha com o fato dela não usar continuamente os óculos protetores durante o curso do bronzeado etc. a meia hora final irrompe e interrompe os diálogos discretamente ressonantes; as caracterizações plausivelmente tapadas (vítima #1: paranóica-com-razão, #2: boa-praça-com-segredo, #3: quero-te-comer, #4: quero-te-dar) cedem lugar a um bocejo ou outro mas o que dizer de um filme que mata todos os homens da ilha, deixando três mulheres indefesas, e quando se pensa no subtexto da nova onda do poder cor-de-rosa vemos nosso herói (dói no coração descrever freddie prinze jr como herói) ao resgate, enfrentando correntes traiçoeiras do mar caribenho? o que dizer de um filme que nos revela que o galã em potencial -- leva rosas e champanhe para o quarto mas acredita que o sexo pode esperar -- que, graças a um trocadilho infame (o sobrenome do assassino é benson, daí ele se apresenta como o filho dele, dizendo 'ben--aqui ele faz uma pausa conscientemente enaltecedora--son') reverte as expectativas de um happy ending ligeiramente problemático (dois homens, uma mulher) e de outro vamos-despachar-prontamente-um-vértice (um homem, um defunto, uma mulher)? o que dizer de um filme que escala jack black nos tempos áureos da esculhambação para o papel de um maconheiro que cultiva a erva no próprio quarto, falando respeitosamente com elas? o que dizer da cena em que os médicos constatam que o paciente abandonou seu leito no hospital (incluindo clássico close na janela escancarada!)? o que dizer de momentos como aquele em que nossa heroína intrépida segue até o mapa mundi e, abismada, percebe que a capital brasileira é brasília ('foi uma armadilha!')? se bem que eu preferiria que o assassino tivesse aparecido na ilha usando um dispositivo moderno de localização gps ao invés de ter aprontando esse erro geográfico proposital. seria legal imaginar americanos agindo como os antiamericanos apregoam, insolentes, virados para o umbigo, acreditando piamente no rio como resposta até o fim. talvez se esse filme tivesse sido escrito/rascunhado pós-11/09 os roteiristas deixassem essa pequena e ácida brecha para a tão-em-pauta ignorância do tratamento ianque aos países do sul... obviamente, esse não é um filme para a faixa dos 50, o que ajudou foi não ter visto nenhum terror teen há alguns bons meses, o que fez com que respondesse a certas coisas com algum estímulo incisivo e não com indiferença cruel; também não assusta, mas isso atualmente não importa num filme de terror.)

377. (30 out) O DEMÔNIO DA ARGÉLIA (Julien Duvivier, 1937) 80

378. (01 nov) ANJO (Ernst Lubitsch, 1937) 81

379. (02 nov) EASY VIRTUE (Alfred Hitchcock, 1928) 47

380. (02 nov) ACOSSADO (Jean-Luc Godard, 1960) 58

381. (02 nov) SÓCIOS NO AMOR (Ernst Lubitsch, 1933) 72

382. (04 nov) /PUNCH-DRUNK LOVE/ (Paul Thomas Anderson, 2002) 100, óbvio

383. (05 nov) /ASSALTO À 13a DP/ (Jean-François Richet, 2005) 49 [originalmente: 45]

384. (06 nov) GHOST DOG (Jim Jarmusch, 1999) 72

385. (07 nov) A BELA DO PALCO (Richard Eyre, 2004)* 67

386. (08 nov) A TEIA DE CHOCOLATE (Claude Chabrol, 2000) 53

387. (08 nov) EM CARNE VIVA (Jane Campion, 2003) 70

388. (09 nov) BETTY FISHER E OUTRAS HISTÓRIAS (Claude Miller, 2001) 66

389. (09 nov) KEN PARK (Larry Clark & Edward Lachman, 2002) 69

390. (10 nov) /EM CARNE VIVA/ (Jane Campion, 2003) 77

391. (10 nov) DO JEITO QUE ELA É (Peter Hedges, 2003) 55 (o tratamento é sitcômico, com um ponto de partida razoavelmente
compenetrado -- Filha Ingrata oferece o jantar de ação de graças no seu apartamento para o restante da Família, incl. mãe, paciente Terminal de Câncer -- se transformando progressivamente-num-estalo numa jornada cheia de altos e baixos (ie. subir e descer as escadas do edifício) em busca de um forno desocupado para assar o peru. paralelamente, hedges salienta a porção road movie de seu filme, ao abordar a família da menina na viagem de carro, sinalizando sempre que cada parada de beira de estrada tem seu significado especial. eles pegam a vovó no asilo (mais um membro recrutado, nem que sua função primordial seja dizer 'april [a protag.]? mas ela não morreu?'), eles param numa lanchonete e fazem a festa (motivo: não confiam nos dotes culinários da filha), eles saem do carro e esticam as pernas após um estopim de inadequação familiar (que no entanto se revela fogo-de-palha). e é mesmo. trata-se de um filme tão supreendentemente sereno para lidar com esse tipo de Mácula, adiando e adiando o desenlace (ou seja, o jantar) o máximo possível, talvez afirmando nem-tão-sutilmente-assim que aquelas pessoas precisam acertar as contas consigo mesmas para depois iniciar um confronto mais específico umas com as outras. hedges também reverte expectativas de classe: o namorado negro de april é solícito e o grande incentivador do gesto da menina, mas bate na tecla do preciso-resolver-algumas-coisas, e nesse percurso nós o vemos sendo informado por um menino (aviãozinho?) de que X está a sua procura e depois ele fica pendurado no telefone público, apenas para depois entendermos que a pessoa que chega junto a ele não é um traficante nem usuário, mas sim, um empregado de um brechó, no qual ele pretende comprar um terno usado; a família negra no condomínio inicialmente não se solidariza de todo com o problema da menina, alegando que ela é branca, rica e tem toda a vida pela frente então-não-reclame e somente depois da menina contar que aquela é provavelmente a última ocasião em que ela verá sua mãe, o casal abre um sorriso e se dispõe a ajudar. o restante do prédio está povoado por caricaturas dolorosamente construídas a) na fama da sisudez cada-um-cuida-de-si nova-iorquina e b) a partir da cartilha do homossexual-ressentido -- e no pior casting de todos os tempos, nós temos um dos gays de will & grace interpretando a figura -- pós-moderno, aquele que desvia seu afeto para um cachorrinho bem-cuidado e equipa sua cozinha com fogão de última geração apenas para se revelar finalmente uma vaca vingativa. mas isso não é importante realmente, afinal, temos aqui o tão-falado abismo de gerações no centro do picadeiro e, bem, a família de april tem aquela casa espaçosa no subúrbio, um carro na garagem, uma filha patricinha e o filho esportista e o confronto essencial recai no apartamento caindo aos pedaços da protag. e seu vestuário meio alternativo, suas atitudes, aliás, (não saber cozinhar, comprando tudo enlatado e pré-aquecido; a preguiça quando é acordada pelo namorado) são perfeitamente cabíveis em qualquer garota da sua idade; então hedges trabalha a beira do precipício, com essa qualidade meio coça-a-cabeça de 'como isso aconteceu? como essa família rachou ao meio?' e ele se recusa a prover algum flashback explícito, mas apenas lembranças, ou melhor, a falta de boas lembranças que os pais tem da menina e vice-versa; no entanto, algumas ocasiões embaraçosas se fazem presentes como april dizendo para si mesma que ela não é uma bad girl ou durante sua aula de história americana aos chineses que quase funcina como uma rendição incondicional dela a sua Natureza, mencionando os invasores protestantes no contexto do massacre indígena etc. como se isso a fizesse entrar em contato com o Passado e com os pais, por extensão. hedges escorrega mas fecha o filme com chave-de-ouro ao consagrar a reunião familiar nos últimos minutos como um ambiente festivo, multiculti (chineses, negros) e de ampla espontaneidade da parte de todos e, para tanto, esses momentos são constituídos por fotos e pequenos filmetes que não duram mais de 15 segundos cada (algo que poderia ser feito num celular ou numa câmera digital, p. ex.) portanto, de alguma forma nós não somos convidados para aquela celebração, nós apenas passamos as páginas do álbum de fotografias e assistimos os tais filminhos e a lógica tão estapafúrdia daquela família faz sentido pela primeira vez, justamente por estar tão removida e afastada; o espectador toma consciência de que a ele não é pemitido colocar a mão ali e apontar alguma falha já que o contexto da cena é tão particular e interno (reencontro = despedida). ainda assim, não é exatamente um bom filme, mas também o que esperar de algo introduzido pela rede telecine como 'veja a futura sra. cruise em ação'?)

392. (11 nov) MARCAS DA VIOLÊNCIA (David Cronenberg, 2005)* 66 (para os fãs ardorosos eu sugiro uma revisão atenta de punch-drunk love (sim!) & ghost dog, são imensamente mais expressivos, embora eu realmente pense que cronenberg conseguiu Algo Notável aqui e o teor da coisa toda lembra mystic river. revisão ao resgate!)

393. (11 nov) A NOIVA-CADÁVER (Tim Burton & Mike Johnson, 2005)* 65

394. (11 nov) /A NOIVA-CADÁVER/ (Tim Burton & Mike Johnson, 2005)* 64

395. (12 nov) ELIZABETHTOWN (Cameron Crowe, 2005)* 60 (a narração em off, a certo momento, solta: 'um sapato nos conecta a Terra'. terra, solo, energia cósmica, planeta-água. assim funciona a mente do protagonista, repleta de associações de a-para-b, rodopiando em círculos em torno do umbigo, algo comprovado nos primeiros minutos, nos quais crowe constrói seus travellings visando beneficiar olhares de solaio dos colegas de trabalho, os quais bloom rigorosamente qualifica como 'últimos olhares', e realmente, o filme parece apoiar a idéia de 'deixar para trás' certas coisas, ao não voltar para essas pessoas, exceto em uma conversa de telefone com a ex-namorada, o que não constitui um contato visual per se. a caracterização de bloom é um pouco problemática e ao mesmo tempo, certeira, indicando que existe uma certa maleabilidade de postura, uma brecha para a inclusão na sua lábia de coisas como 'sucesso não é o mesmo que excelência' e 'fracasso não é o mesmo que fiasco' e isso é manifestado em off, o que permite que se entenda esses tiques como parte do Personagem, e não pertencentes aquele homem, naquele momento em que ele está prestes a ser despedido. dito isso, vamos agora para a sequência do avião. dunst é quase uma figura do imaginário nerd: caiu do céu (é aeromoça), vem ao seu encontro solictamente ('quer beber algo?'), é esperta e neurótica na medida certa, e acima de tudo, é loira. mas ela não respeita o Espaço do Outro exatamente, fazendo perguntas sem parar e dizendo coisas como 'posso transformar o cinza em azul'. existe uma cena desajeitada de rendição semi-incondicional: bloom segura o terno que vestirá seu pai-defunto e dunst se oferece para 'lidar com aquilo' (em inglês, handle), e ele receoso continua segurando a roupa, daí ela fala 'solta!' e ele solta. é desajeitado porque precisa de uma construção de duplo sentido (lidar com a Morte contigo / guardar o terno para você) para se fazer valer e equaciona a 'rendição' dele perante ela com o ato da entrega da roupa, ou seja, absurdamente na-cara. (nota: vocês perceberam que esse comentário está seguindo a ordem das minhas anotações de diálogos e pequenas cenas e portanto não será um texto corrido, mas um pit stop em paradas não-obrigatórias? pois então percebam.) e bloom chega na cidadezinha sulista parada-no-tempo com seu carrão alugado e todas as pessoas ali indicam o Caminho a Ser Seguido, apontando com o braço e sorrindo e ele sorri de volta e o filme quase vira HISTÓRIA REAL para jovens empreendedores. não vejo nada de errado se entrincheirar nesse tipo de glorificação mitológica dos estados unidos interiorano, celebrando seus valores em confluência com os do transeunte de modo a indicar um certo Incentivo, uma propulsão para Continuar (o caso de alvin straigh no deslumbrante HR ainda leva em conta seu inusitado meio de locomoção, o que o caracteriza como Uma Figura de Passagem) mas esse tipo de construção soa medíocre quando seu propósito é claramente contrapor o way of life opressor e nebuloso do executivo com o otimismo da parentada caliente, beliscando-a-bochecha desinibida, num movimento de Volta ao Passado, ou seja, Volta as Origens, ou seja, 'isso é o que você é'. mas, calma, talvez crowe esteja interessado no relacionamento entre pais e filhos quando somos tomados de assalto por uma profusão de tomadas indicando retratos do pai de bloom recebendo medalhas, rodeado de amigos etc. e ele não consegue sentir nada (esse é aparentemente um sintoma atual dos Nossos Jovens, desde scarlett johansson de ENCONTROS E DESENCONTROS até zach braff de HORA DE VOLTAR), está Paralisado e somos lembrados disso insistentemente seja via perguntas como 'você já chorou? quando começar vai durar alguns meses...' (isto é: já caiu a ficha?) até bloom de olhos-tristes-olhando-para-o-vazio. isso faz parte, mas uma das graças inesperadamente ressonantes aborda isso na ótica do paizão ex-baterista de uma banda de fundo de quintal que diz coisas como 'não sigo a linha conservadora para educar meu filho', quando seu pai solta: 'você não pode ser amigo do seu filho' e isso é interessante já que são personagens que estabelecem uma Presença; crowe não os abandona antes de começar a trabalhá-los devidamente, ele os leva para o terreno da caricatura unicamente para desenvolver experimentações objetivando um contra-argumento na temática do descompasso de gerações. próximo ponto? tic-tac-tic-tac. a conversa de caboom e dunst no celular é perfeitamente calibrada, eles estão no ponto certo da total imersão e seus tópicos (esp. a maneira apressada como eles passam de um para outro) lembram os de ethan e julie dos BEFOREs, jovens absortos em seus problemas mas espertos o bastante para contextualizá-los uns nos (dos) outros, e crowe é mestre em criar cumplicidade asubstantivada a la gilmore girls (o exemplo perfeito é encontrado fora dessa cena: bloom diz 'eu conheço meu pai muito bem' e recebe como resposta do interlocutor - o pai roqueiro - 'eu não conheço muito meu pai também'), mas eu ainda acho que ele poderia baixar a bola e cortar o açúcar do encontro dos dois para o nascer-do-sol em que eles conversam via celular mesmo depois de estarem cara-a-cara. isso irrita. próximo! susan sarandon sapateando no palco como se aquilo demonstrasse que ela Seguiu em Frente e racionalizando amargamente sua nova vida-de-viúva, perdendo o controle e exclamando 'eu quero aprender a cozinhar, dançar e rir', como se não ocorressem risos, momentos de alegria com o marido, para depois ela retificar com um 'novamente' no fim da fala anterior. eu realmente não faço a menor idéia se tudo isso foi constrangedor ou simplório ou os dois. próximo! mais sobre dunst, que tal? na conversa no celular já citada, ela diz 'vou deixar você ir' ao invés de 'vou desligar' (tão doce!) e ela é meio kate BRILHO ETERNO winslet maluquete, com seus 'me siga' incógnitos; a própria se define como 'difícil de lembrar, impossível de esquecer' num momento supremo de lucidez para quem adora tirar fotos imaginárias, algo denotando que ela vive o presente intensamente, cada instante = momento kodak. a menina também é sábia quando fala 'todos são menos misteriosos do que pensam que são'. enfim, resumindo: ela é uma Força da Natureza, semelhante a kate hudson em QUASE FAMOSOS. (eu sou péssimo para anotações, elas geralmente me desviam do filme em questão porque no escurinho-do-cinema eu sempre tenho a impressão de anotar uma coisa sobre a outra, então eu geralmente uso todas as folhas que eu carrego mas ao invés de finalizar uma e ir para a seguinte eu escrevo meus bagulhos sobre uma mesma cena em diferentes locais e como eu penso ilusoriamente que eu não faço isso, eu termino de decifrar o que registro sobre uma coisa e passo adiante sem saber que mais a frente - ou atrás - tem um novo mundo de anotações desengonçadas. e como estou sem paciência, eu realmente não quero editar o que já escrevi como manda o figurino, portanto, estou criando essas pontes úteis [p. ex.: 'mais sobre dunst, que tal?'], o que deixa tudo confuso e incompreensível. lembra quando minha prolixidade era meu ponto alto? bons tempos, aqueles. mas calma porque agora vem a...) cena final. imensamente longa. merecidamente, também. nos filmes de crowe tem-se a sensação de que o ambiente é a mola propulsora do filme e aqui não é diferente. o que seria aquele velório-sem-o-corpo com um pássaro que pega fogo e repentinamente o sensor anti-incêndio inunda o salão de água e nós sabemos que aquele é um Momento Transcendental porque a música manjada aumenta, e todos riem-chorando pensando no espírito brincalhão do falecido com ternura e a ficha cai dos que ainda estavam Anestesiados (um passo a frente bloom!) e dunst abre a porta e coordenando a saída afoita das pessoas? se isso não significa absolutamente nada, pelo menos você há de concordar que crowe fechou o círculo místico iniciado com TERRA - ver abertura desse comentário - e agora finalizado com FOGO e ÁGUA (não ria) e o filme poderia se dar por encerrado aí, já que nesses momentos de caos controlado é quase imperceptível a presença de um regente e a coisa toda parece estar a beira do precipício, desgovernada mas docemente assim. até que, pimba, os últimos e gloriosos (até ficarem patéticos) 15 minutos tratarão de apresentar bloom a) ao próprio: numa jornada de auto-descoberta, esquisitices folclóricas de beira de estrada, som no último furo, cabelos-ao-vento etc.; b) a (sua) História: ele pára no hotel onde martin luther king foi assassinado; c) ao seu futuro: com dunst aguardando a chegada dele na segunda maior feira de variedades dos eua. por mais esfuziante e efervescente que a letra (c) possa parecer, ela consiste num erro indefensavelmente crasso. seria ótimo se o filme fosse até o fim preservando os momentos finais como uma espécie de 'processamento' conjunto dos acontecimentos - bloom em carne e osso + dunst em espírito/off + espectadores - algo somente possível em um carro em movimento direcionado especificamente para onde o Roteiro de dunst aconselha, deixando qualquer eventualidade ao encargo dela, e portanto, não se desviando de todo do propósito da jornada. bloom está sozinho mas-ao-mesmo-tempo-não-está e aquela cereja no topo (o encontro final) era dispensável, mas crowe até acerta ao errar quando filma dunst, descoberta em meio ao tumulto, como uma Visão, e todo o trecho da feira, com um virtuosismo que não encontra paralelos na vida terrena. deixe-se abobar e suba a bordo!)

396. (12 nov) /MUNDO CÃO/ (Terry Zwigoff, 2000) 81

397. (18 nov) /BOM DIA, NOITE/ (Marco Bellochio, 2003)* 65 [originalmente: 69]

398. (18 nov) TENTAÇÃO (John Curran, 2004) 68

399. (19 nov) P.S. (Dylan Kidd, 2004) 58

400. (19 nov) I ♥ HUCKABEES (David O. Russel, 2004) 82

401. (19 nov) /A ÚLTIMA NOITE/ (Spike Lee, 2002) 80 [originalmente: 70 e poucos]

402. (20 nov) /I ♥ HUCKABEES/ (David O. Russel, 2004) 83 (meus dois filmes favoritos desse ano -- esse e STEVE ZISSOU -- contam, cada um, com uma cena de mesma variante (a palavra certa é frequência) e como eu não me sinto capaz de teorizar nesse momento, por enquanto, deixarei somente as cenas aqui. em ZISSOU, bill murray pergunta para si se o tubarão 'ainda lembra dele' enquanto aqui, o-cara-de-boogie-nights pergunta se deve levar suas próprias correntes (para se amarrar a uma escavadeira, evitando a devastação da área verde) e o cara-de-rushmore responde 'todos levamos as nossas'.)

403. (21 nov) /I ♥ HUCKABEES/ (David O. Russel, 2004) 84

404. (22 nov) LAGAAN: ERA UMA VEZ NA ÍNDIA (Ashutosh Gowariker, 2001) 62

[esse hiato é inexplicável - faculdade em greve, guilherme engrossando a porcentagem dos desempregados (eu procuro! já abri o caderno 'sua chance' do jornal santista algumas vezes) - mas se eu disser que eu não tive muita vontade de ver nada e assisti aos primeiros 10 minutos de muita coisa e apertei eject e estive muito ocupado lendo coisas obscuras: relatos de viagens de terceiros, coisas de susan sontag, trechos d'as flores do mal, terminando almas mortas, começando harry potter 5, folheadas na new yorker dessa semana - ótimo texto de woody allen + reportagem idem lida pela metade sobre refugiados iranianos - e no guia da folha para praga, rep. tcheca. mas o trabalho continua com as meninas gilmore e posso garantir que foi impressionante a experiência de baixar 6 episódios inéditos em 3 dias e assisti-los um-a-um. um comentário para isso deverá surgir magicamente no tv log (link acima) em pouco tempo.]

405. (29 nov) LILA DIZ (Ziad Doueiri, 2004)* 55