sábado, fevereiro 07, 2004

047. (06 Fev) Vozes Distantes (Distant Voices, Still Lives, Terence Davies, 1988 | vídeo, Sagres, 85' | ***)

048. (06 Fev) /Vozes Distantes/ (Distant Voices, Still Lives, Terence Davies, 1988 | vídeo, Sagres, 85' | obra-prima)


'Till human voices wake us...

Vozes Distantes é uma experiência transportadora, indelevelmente distante e próxima ao mesmo tempo. Isso pode ser explicado por se tratar de um filme sobre as ramificações da memória no presente e a convergência dessas recordações nos momentos-chave de qualquer família (morte da figura centralizadora, o patriarca; os filhos deixam a casa dos pais e se casam). A maior parte delas são permeadas por canções populares (elas próprias cheias de saudade: "No Tempo dos Pés Descalços", por exemplo) cantadas por uma coletividade alegre, pacífica, serena. Outras são incrivelmente impassíveis (especialmente os atos violentos do pai - contrapostos ainda por momentos de delicadeza exemplares: ele abençoa seus filhos enquanto dormem).

A decisão de Davies por uma abordagem sem sentimentalismo (que resultaria em uma festa nostálgica do "éramos (in)felizes e não sabíamos") não permite que as interações entre família e amigos percam a força. Somente pelo recurso da recordação, o diretor "força" uma aproximação dos personagens com o passado e os concede a capacidade de verificar que mesmo com certos momentos difíceis vivenciados, a capacidade de reinvenção de cada um (a matriarca fazendo de tudo para que seu lar fosse um ambiente feliz; os filhos abandonando progressivamente os pais [o garoto se alista nas Forças Armadas, uma delas se casa e outra, se muda para iniciar uma carreira]) os fez sobreviver e os alçou ao que são. É o maior elogio à vida em familia que já tive o prazer de ver.

Vozes é dividido em duas partes. A primeira, Vozes Distantes/Distant Voices é caracterizada por um grande número de flashes de reminescências da família (bailes, guerra, trabalho) e na segunda, Ainda Vivem/Still Lives esse registro diminue em número, mas a percepção de que as lembranças passadas ainda estão vivas dentro deles ainda sobressae. As transições entre passado/presente são muito interessantes: ora a tela é inundada com uma forte luz branca, ora o uso de janelas (metáfora perfeita para as distintas visões que ela proporciona - lado interior vs. exterior) marcam as idas e vindas. Como já dito, Vozes Distantes é uma experiência e como toda experiência, palavras não lhe fazem justiça; não consigo dizer o que exatamente estamos vendo na tela mas tudo é envolto por uma atmosfera tão carinhosa e sincera que as memórias dos personagens se misturam com as nossas e ficam indistintas, se relacionam e interagem. Algo melhor para descrevê-lo que isso (ou seja, que nada pode o fazer) não existe.

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