domingo, março 12, 2006

MARÇO (novos: O DIAMANTE BRANCO, curteco, desistência, MISTÉRIOS DA CARNE)

078. (01 mar) O VÔO DA FÊNIX (John Moore, 2004) 41

079. (07 mar) BEIJOS E TIROS (Shane Black, 2005)* 69

080. (09 mar) WALLACE & GROMIT - A BATALHA DOS VEGETAIS (Steve Box & Nick Park, 2005)* 48

081. (10 mar) /RUSHMORE/ (Wes Anderson, 1998) 96 [última revisão: 91]


082. (13 mar) /CONTRACORRENTE/ (David Gordon Green, 2004)* 67 [originalmente: 77]

083. (13 mar) ELLIE PARKER (Scott Coffey, 2005) 57

084. (13 mar) UM VAZIO NO MEU CORAÇÃO (Lukas Moodysson, 2004) 43

085. (14 mar) CASA DE LOS BABYS (John Sayles, 2003) 44

086. (14 mar) HERÓIS IMAGINÁRIOS (Dan Harris, 2004)* 55

087. (14 mar) /MARCAS DA VIOLÊNCIA/ (David Cronenberg, 2005)* 66

088. (15 mar) O CÍRCULO (Jafar Panahi, 2000) 60

089. (16 mar) UM AMOR QUASE PERFEITO (Ferzan Ozpetek, 2001) 70

090. (17 mar) /IRMÃOS/ (Patrice Chéreau, 2003)* 51 [originalmente: 79]

091. (17 mar) /CLOSER/ (Mike Nichols, 2004)* 72 [última revisão: 57]

092. (20 mar) O SIGNO DO CAOS (Rogério Sganzerla, 2005)* 58

093. (20 mar) O CLUBE DOS PERVERTIDOS (John Waters, 2004) 16

094. (21 mar) O LENHADOR (Nicole Kassell, 2004) 50

095. (21 mar) O SOLITÁRIO JIM (Steve Buscemi, 2005) 49

096. (21 mar) CONFLITOS INTERNOS (Wai Keung Lau & Siu Fai Mak, 2002) 53

097. (22 mar) O OPERÁRIO (Brad Anderson, 2004) 46

098. (23 mar) CHUVA DE VERÃO (Christine Jeffs, 2001) 59

099. (24 mar) MACHUCA (Andrés Wood, 2004)* 21

100. (24 mar) /A MENINA SANTA/ (Lucrecia Martel, 2004)* 76

Nesse momento em que escrevo eu tenho em mente Lucrecia Martel e Olivier Assayas como diretores que criam e liberam tensão de modo singular, nem que esta seja produto de uma conversa carregada de diálogos que subitamente cede passagem a um interlocutor abandonando o outro e passando por uma porta giratória, como em CLEAN, no instante em que Maggie Cheung corre desabalada pelo aeroporto depois de travar contato tremuloso com Nick Nolte. Eu também penso nas elipses incandescentes de DESTINOS SENTIMENTAIS, dentre as quais nós vemos um breve indicativo de doença para um dos personagens e isso é mantido encoberto até que se tem a notícia de seu falecimento ocorrido anos antes ou até mesmo uma pulada de cerca, que começa frágil e hesitante, nunca mais é citada até que numa conversa - meses? anos? depois - entre marido e esposa, este revela o conhecimento do episódio. Pode-se dizer que isso realmente Acontece na Vida, essa espécie de pausa e elevação de um instante que segue nessa condição até que algum desenlace se apresente.

A MENINA SANTA trabalha com esses instantes de pausa e elevação. A própria ambientação num hotel decadente interiorano já passa a impressão de uma localidade que não permite aos seus habitantes se desenvolver plenamente. Em vários momentos o hotel ganha vida. Ele está ali para promover encontros (como o congresso de medicina, obviamente) ou esbarrões fatídicos (os três vértices – o médico, a menina, a mãe dela - são finalmente reunidos num mesmo ambiente pela razão mais prosaica do mundo: um simples reparo numa banheira quebrada) ou até mesmo para incentivar que a menina protag. saia do quarto já que a tv e o rádio estão desintonizados. O hotel também reúne pessoas, quando p. ex. uma delas está na porta do quarto conversando com o hóspede e este deixa aquele entrar porque uma camareira está desodorizando/desinfetando vigorosamente o corredor com um spray indefinido. É o hotel que permite essas manifestações, ele juntou essas pessoas para o congresso e continua as unindo ao simular vazamentos e reparos estratégicos. Não raro tal estabelecimento ajuda Martel criar planos impecáveis, como aquele em que dois empregados estão verificando um provável vazamento no teto e eles se movimentam em um espaço contíguo, entre dois rostos que estão conversando em primeiro plano.

As aulas de religião, como todas as aulas de religião, são momentos agradáveis entre a química e a biologia; um instante para descanso físico e não para um retiro espiritual, para fofocar que a professora beija o namorado com entusiasmo ou para alimentar histórias imaginativas e supersticiosas enquanto a professora pede desesperadamente para que seus alunos se restrinjam aos textos xerocados (até mesmo a visita do quarteto de meninas ao matagal que beira a estrada, onde um acidente de carro fatal ocorreu, funciona como uma experiência de campo, uma excursão que poderia ser promovida pela escola caso o teor não contivesse o tal elemento mórbido). As duas primas vão para lavanderia do hotel e brincam de fechar os olhos e, depois de abertos, uma conta à outra o que viu ("dois traços vermelhos num círculo amarelo" etc.) e depois uma se acomoda bem perto da câmera e diz "Eu vejo tudo muito mais branco." e isso numa lavanderia. Pode-se levar a sério esse transe, uma busca pelo contato espiritual com o Chamado de Deus, mas a associação branco/lavanderia certamente impõe que aquele instante consiste numa pequena e indolente diversão vespertina entre amigas. Até mesmo alguma incisão no despertar da sexualidade das duas primas acaba sendo não mais que uma fagulha de curiosidade inocente quando uma delas beija a outra e aquela fala "você abriu a boca!" e a outra retruca "mas você colocou a língua!".

O desconforto miserabilista de O PÂNTANO, com seus planos intrincados repletos de pessoas, pedia como resolução reações extremadas, catárticas, especialmente físicas. Em A MENINA SANTA, Martel cria um ambiente desorientador, mas não via intimidade forçosa do filme de estréia, mas sim por posicionar seus personagens em locais que mais parecem esconderijos (até mesmo o instrumento musical enseja certa reticência em sua lógica: música sem contato físico). Na primeira visão que o doutor tem da dona do hotel, ele se encontra num corredor e ela está no interior de um dos quartos; a janela está aberta e ele a enxerga, sem que ela perceba, dividida em duas: o rosto está indistinto pelo reflexo do vidro enquanto o restante do corpo é plenamente visível. Em outra é o ato de abrir a porta do armário por uma camareira que desencadeia uma nova exibição inadvertida dela para ele. Algo que me deixa transtornadamente fascinado é Martel devassando a introspecção alheia e, logo em seguida, conferindo uma calma plácida e justificada a um ato abelhudo. Uma seqüência revela a menina observando o doutor: a intimidade dele é devassada enquanto o mesmo não percebe olhar dela, mas quando ele se dá conta da presença da garota, as coisas continuam como são, ou seja, a garota continua a observar e ele manobra o olhar para o horizonte; dessa forma, além da menina ter a prerrogativa do ato, ela também consegue sua legitimação.

Tudo está suspenso em A MENINA SANTA e, mesmo assim, as coisas insistem em ir para frente. O tema das aulas de religião está estagnado mas invariavelmente se discursará sobre outro ponto; mesmo com residência fixa no hotel ainda existe um certo ímpeto tradicionalista nos dizendo que isso é passageiro. Talvez seja por isso que durante o filme tem-se a sensação de que muito pouco está em jogo. Tal sentimento provavelmente advém da confecção de uma série de pequenos mal-entendidos. Ficamos sabendo do caso do médico processado por um paciente porque este não conseguiu identificar as dosagens expressas na receita devido à caligrafia incompreensível daquele; a dona do hotel confunde palavras quando testa a audição na cabine; a comodidade de uma esfregada se confunde com a comodidade de descobrir sua vocação mais cedo que qualquer outra colega de classe. Todos os elementos aqui fazem questão de se esconder. O desenlace do relacionamento entre o doutor e a dona existe e ao mesmo tempo só ocorre efetivamente na cabeça dela. É mais um pequeno mal-entendido: a timidez envergonhada pela tal atitude dele se passa como encabulamento perante a possível mulher da sua vida. Em uma cena fica claro toda a carga simbólica da representação da relação médico-paciente (olha a ironia!) que tomará parte no encerramento do congresso. A mulher pergunta para ele o que ela deve vestir na ocasião pretendendo certamente uma definição da parte dele, usando esse pequeno momento de intimidade (na minha opinião pedir ajuda nesse departamento é algo íntimo, mas entendo a eventual posição contrária) para tanto, mas a cena se desenrola com a sobriedade de uma mera escolha de figurinos para um evento qualquer (numa conversa ficamos sabendo que os dois já atuaram em peças), sem nenhum traço de constrangimento, até porque ela o despacha de seu quarto dizendo simplesmente que o modelo não caiu bem.

Martel também é cuidadosa o bastante para propor cenas com verossimilhança interna e externa. Assim, a menina passa o creme de barbear do doutor na gola da camisa, a camareira, no mesmo aposento, continua despejando spray descontroladamente e logo depois a primeira cheira a gola; a montagem é perfeita: obviamente a menina está cheirando a gola por uma mera questão de intimidade, identidade e desejo mas ela também pode estar tapando o nariz devido ao spray massivo. Tal duplicidade dificilmente vem ao caso. Em um mundo fora de sintonia, de ponta-cabeça, duas meninas numa piscina conversando amenidades conta mesmo como um Momento Sagrado.

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101. (26 mar) NEGÓCIOS À PARTE (Claude Chabrol, 1997) 59

102. (27 mar) MENTIRAS (Jang Sun-woo, 1999) 50

103. (27 mar) O FANTASMA DO FUTURO (Mamoru Oshii, 1995) 42

104. (29 mar) REIS E RAINHA (Arnaud Desplechin, 2004)* 70


105. (30 mar) O DIAMANTE BRANCO (Werner Herzog, 2004)* 67

c01. (30 mar) AARHUS (Jorgen Leth, 2005)* 0

W/O. (30 mar) SVYATO (Victor Kossakovsky, 2005)*

106. (31 mar) MISTÉRIOS DA CARNE (Gregg Araki, 2004)* 68