sexta-feira, março 19, 2004

Adicionado: Swimming Pool/no.122.


074. (01 Mar) /Sobre Meninos e Lobos/ (Mystic River, Clint Eastwood, 2003 | Estação Icaraí | 85)


075. (02 Mar) Sorrisos de uma Noite de Verão (Sommarnattens leende, Ingmar Bergman, 1955 | vídeo | 58)

Pena não ter gostado ainda mais desse filme, claramente tão glorioso e enaltecedor mas também intrasitavelmente formal. Como Theo escreveu em sua crítica, existem referências múltiplas à temática global da obra de Oscar Wilde, uma certa hipocrisia na manutenção de sentimentos reservados (especialmente nos endinheirados de plantão) enquanto o hedonismo desenfreado corre solto etc. E também guarda semelhanças com A Regra do Jogo, de Renoir, ao retratar a extrema vivacidade no tratamento do amor & suas complicações pelas classes menos favorecidas; instantaneamente dissertando sobre o versão nobre do merry-go-round, a troca de amores e favores num intercâmbio sempre dificultado por interesses e interesses. Ok, é uma obra que se coloca a favor da surrada idéia de riqueza impedindo maior exacerbação interior; inacreditavelmente gasta em tempos de jargões como "pobre menino rico" etc. Mas o formalismo de tudo isso é surpreendente. Concordo plenamente com o fato de dramas e comédias serem duas faces da mesma moeda, farinha do mesmo saco; mas Bergman não sabe (uh, elimine a pretensão, "quem sou eu?") conferir o ritmo da deliciosa primeira metade (ciranda bem desenvolvida, divertida) na segunda, aos trancos e barrancos. Em parte porque os propósitos já estão definidos desde o início, quem-(quer)-fica(r)-com-quem, os interesses já desenhados; por outra, graças aos diálogos gélidos, um deles é travado por pai e filho sobre a iniciação sexual do garoto - para o espectador desatento, parece que a conversa gira em torno da chegada da primavera tamanha a retração - o que nos leva a... onde diabos foi parar o calor humano? Máquinas! Robotização! Em plena virada do século XIX para XX! Admitamos a supremacia sueca com dor no coração etc.


076. (02 Mar) /Dogville/ (Lars von Trier, 2003 | cine Arte UFF | 90)


077. (03 Mar) Duas Vidas (Love Affair, Leo McCarey, 1939 | vídeo | 73)


078. (04 Mar) O Beijo (The Kiss, Jacques Feyder, 1929 | vídeo | 42)


079. (04 Mar) Rainha Christina (Queen Christina, Rouben Mamoulian, 1933 | vídeo | 53)


080. (05 Mar) O Cheiro do Papaia Verde (Mui du du xanh, Tran Anh Hung, 1993 | vídeo | 78)


081. (05 Mar) A Vênus Loira (Blonde Venus, Josef von Sternberg, 1932 | vídeo | 69)


082. (07 Mar) Duas Garotas Românticas (Les Demoiselles de Rochefort, Jacques Demy, 1967 | vídeo gravado do Telecine | 86)


083. (08 Mar) /A Paixão de Joana d'Arc/ (La Passion de Jeanne d'Arc, Carl Theodor Dreyer, 1928 | dvd | 100)


084. (09 Mar) /Dogville/ (Lars von Trier, 2003 | cine Arte UFF | 93)


085. (09 Mar) Em Nome de Deus (The Magdalene Sisters, Peter Mullan, 2002 | cine Arte UFF | 55)


086. (09 Mar) /A Paixão de Joana d'Arc/ (La Passion de Jeanne d'Arc, Carl Theodor Dreyer, 1928 | dvd | 100)


087. (10 Mar) Kadosh (Amos Gitai, 1999 | vídeo | 57)


088. (10 Mar) Velvet Goldmine (Todd Haynes, 1998 | vídeo | 25)


089. (11 Mar) /State and Main/ (David Mamet, 2000 | dvd | 77)


090. (11 Mar) /Embriagado de Amor/ (Punch-Drunk Love, Paul Thomas Anderson, 2002 | vídeo | 100)


091. (12 Mar) /Embriagado de Amor/ (Punch-Drunk Love, Paul Thomas Anderson, 2002 | vídeo | 100)


092. (13 Mar) /O Pianista/ (The Pianist, Roman Polanski, 2002 | cine Arte UFF | 44)

Segunda chance, gostei ainda menos. Procure no dicionário a definição de "batido", "gasto", "surrado" e você encontrará de cara "a primeira metade de O Pianista, aquele filme pessoal do pedófilo exilado na Europa". Essa metade parece nos introduzir a um arsenal de medidas sanitárias nazistas contra judeus (e outras minorias, sempre desconsideradas): andar na sargeta, não sentar em bancos públicos, usar identificação plenamente visível, proibição da entrada em restaurantes e cafés, confisco das economias. É incrível, a cada minuto um personagem abre o jornal e observa a nova legislação no tratamento do Grande Mal Nazista, uma espécie de couvert para o prato principal (guetos e campos de concentração) que não deixa de ser extremamente resumitiva e manipulativa. Nesse meio tempo de Proibições, Desilusões, Incertezas, Aflições, uma família permance unida, Ode à manutenção dos laços em tempos cruéis, entre outras sentimentalidades afetivamente nulas. Aí, na segunda metade outra Ode, só que dessa vez enfocando a Dura Sobrevivência do Homem Nesses Tempos de Desumanização e Desconsideração Alheia, com sofrimento interminável, caos circundante (algumas imagens devastadoras), doenças, subnutrição, ausência da família etc. - uma festa para psicólogos e nutricionistas mas não para mim, que esperou atentamente/sonolentamente uma pequena dose de ambigüidade honesta. E ela veio... quer dizer, não a princípio com a Arte Vs. Barbárie, Atitudes Condescendentes (alemão: "Puxa, já assinei tantos papéis mandando seres inocentes para a morte, acho que obedecerei meus instintos humanistas; o cara toca tão bem [pensa: "eu nunca tocarei da mesma forma, mas controlarei minha inveja."], parece iluminado por algum tipo de força cósmica. Se está vivo até agora é porque Mein Gott assim o quer e não serei eu [pensa: fabulosa desculpa para quando o pianista se dirigir a mim, perguntando: "Por que você está fazendo isso?"; eu respondo, solenemente: "A vontade de Deus é a de que nós dois fiquemos vivos."]... etc.) mas sim, quando o alemão que ajudou nosso herói-pianista-que-perdeu-os-entes-queridos-mas-ainda-tem-forças-para-Seguir-em-Frente-e-finalizar-o-filme-com-um-concerto-deslumbrante pede uma retribuição ao nosso-herói-pianista-etc., a fim de livrá-lo da provável condenação que se seguiria pós derrota Nazi-fascista. Peraê, não foi ele quem disse: "A vontade de Deus é a de que nós dois fiquemos vivos."? Notaram a ironia? Fora esse toque inteligente e perceptivo, o que resta é insatisfatório.


093. (13 Mar) Eu Fui a Secretária de Hitler (Im toten Winkel - Hitlers Sekretärin, André Heller e Othmar Schmiderer, 2002 | cine Arte UFF | 59)

Como li, no cartaz, o que esse talk-doc. (sem ilustrações, documentos, nada; somente o registro da memória - e acredite, não fazem a menor falta) oferece de melhor é a visualização de uma alma atormentada tentando se reconciliar com o passado de alguma forma, mesmo não sendo diretamente responsável com os rumos dos acontecimentos; e a própria entrevista faz o intercâmbio entre a memória afetiva, ao trabalhar com o ídolo dos alemães, e a consciência da crueldade desse Homem, com doses bem-vindas de ambigüidade. Os insights são sempre interessantes, enfocando principalmente os últimos dias no bunker em Berlim, o relacionamento com Eva, Goebbels (esses dois últimos [amante & diretor da propaganda nazista, respectivamente] estão presentes no horroroso Moloch, que, aliás, seria exibido no mesmo dia, juntamente com esse e O Pianista - uma óbvia projeção temática), a cachorra de estimação e os "dissidentes"; ou seja, em um nível mais pessoal, humano (inúmeras inserções do perigo à espreita, caos, desilusão com o Império dos Mil Anos durar somente doze, prostração [veneno presente no bolso]) para ressaltar a atmosfera obsessiva e rigorosamente austera da queda etc. Mas, falta alguma concisão no balanceamento do que é pessoal (típico background informativo, expectativas juvenis) e do que é não é (igualmente típica atmosfera de desencanto por descobrir a Verdade, e ter feito parte dela invariavelmente). Outro 'con': culpa-inocente + engajamento-alienado resulta em uma irritante confusão de sentimentos (inocente porque estava encantada com a Visão de Mundo Progressista do Fuhrer naquela época / culpada porque já deveria ter discernimento com aquela idade / inocente porque só datilografava o que Hitler pedia / culpada porque poderia ter feito alguma coisa [demissão, provavelmente] / inocente... / culpada... = blah-blah-blah) os quais resultam no começo do auto-perdão no leito de morte da entrevistada (tocante, mas não deixa de ser pessoal demais para um documentário que se propõe a uma exata antítese).


094. (13 Mar) Procurando Encrenca (Flirting with Disaster, David O. Russell, 1996 | vídeo gravado do Telecine | 76)

Memorável celebração da neurose familiar e vontade de fazer, realmente, parte de algo sólido. Definitivamente na casa dos 80 com breve revisão - talvez amanhã.


095. (14 Mar) /Tiros em Columbine/ (Bowling for Columbine, Michael Moore, 2002 | cine Arte UFF | 61)

Michael there's-no-business-like-show-business Moore tenta desesperadamente iluminar nossas percepções de mundo (mostrando que elas estão erradas, oh-oh), mas, não atenta para o fato de seus métodos ilustrativos apenas salientarem suas intenções (extremamente) manipulativas. Eu vibrei em algumas seqüências desse doc., agradável o bastante para uma ovação, perturbador o suficiente para instigar (alguma) reflexão, mas Jesus, se você acredita que está vendo a Verdade Intocável/ada ali, reconsidere e se jogue pela janela. É o joguinho do "faça o que falo mas não o que faço", sua capacidade de dar exatamente o que desejamos é notável ("What a Wonderful World" ou qualquer prática/medida política infundada/arbitrária/irracional/demente) nem que para isso recorra à analogias absurdas (comparar portas abertas de uma cidade do Canadá com os trincos americanos é jogo sujo [após feito o teste, ele não tem a decência de nos dizer a porcentagem das residências com portas destrancadas, afinal, é evidente que somos apresentados ao que ele quer... Edição! Edição! Fomenta opiniões diversas! E manipulação (in)consciente!] que praticamente ignora os disparates das duas nações com a estúpida desculpa de "são países vizinhos"; o número de vítimas mortas por armas de fogo nos EUA comparadas com Japão, Alemanha, Austrália etc. desrespeitando o número de habitantes e aumentando, injustamente, o disparate; dentre outras igualmente questionáveis) e observações que não procedem (o "Cops" do colarinho branco; a assistência social mais atrapalha que ajuda e a ligação desse sistema com a pouca disponibilidade de tempo pela mãe trabalhadora para os filhos, o que leva um deles a matar uma colega de classe [observem como é simplista e populista esse discurso!]; o ataque desnecessário à Charlton Ben-Hur Heston, mais um insulto pessoal que uma entrevista, culminando em uma atitude surreal de tão despropositada: o retrato de uma menina morta é deixado na casa do ator [!?]), mas, de qualquer forma, algo me atrai nesse estilo atire-a-esmo-até-mesmo-no-próprio-pé (a questão da mídia e o posicionamento de Moore contra a banalização da violência [mostrando até abelhas assassinas africanas! Xenofobia animal?] é o exato oposto do que ele faz com o espectador, como já disse nas primeiras linhas). No mais, estranhamente prazeroso, justamente porque Moore não perde uma chance de atacar seus opositores, com discurso irremediavelmente liberal, mostrando (erroneamente, mas enfim, é divertido, que posso fazer?) que A leva a B e culmina em C, além do seu ilimitado egocentrismo.


096. (14 Mar) Longe do Paraíso (Far from Heaven, Todd Haynes, 2002 | cine Arte UFF | 66)

Não sei se uma avaliação vinda de alguém que nunca assistiu sequer a um melodrama de Sirk procede, mas vejamos... Irrepreensível em qualquer aspecto imaginável (até nos créditos finais constam aquelas deliciosamente retrô "............" que ligavam o ator ao personagem interpretado), mas a história de esfacelamento de fachadas e inusitada manutenção preventiva das mesmas em torno das vontades próprias ("o que aprisiona os desejos do coração?", segundo o cartaz) como meio de fortalecê-las para enfrentar um ambiente propício, acabou não me acrescentando muita coisa (especialmente devido a alguns desdobramentos e condução - um pouco branda para o meu gosto). As conversas entre a protagonista e o jardineiro são o ponto alto do filme, já que nelas se estabelece uma cumplicidade inesperada, potencializada pelas circunstâncias que pedem, de alguma forma, um apoio "de fora", não só da família (onde está o suposto problema) mas também, de toda uma comunidade e os círculos sociais injustamente bem definidos e segregadores que ela mantém. Aí, reside boas doses de ambigüidade (já mencionei essa palavra várias vezes nos comentários acima; espere, no meu futuro filme/curta, uma atenção especialíssima à mesma), cada um deles precisa romper com o mundo opressor como forma de libertação de suas angústias e tormentos que somente são angustiantes e atormentadores porque esse ambiente assim o quer, supervalorizando o que deveria ser tratado como peculiaridade aceitável (homossexualismo) e comportamento socialmente amistoso (brancos e negros). Fiquei dividido quanto à estrutura formalíssima de Haynes: se por um lado, reforça o magnetismo cotidiano centralizador de meados dos anos 50, dificultando as possibilidades de evasão, mas ao mesmo tempo, infligindo coragem para a quebra de estruturas e padrões; por outro, minha aproximação com os dilemas apresentados (resumidamente: todos os personagens centrais são lançados contra seus respectivos vazios, tentando redescobrir o momento no qual suas vidas pararam de girar em torno de suas necessidades para preencher e manter viva a imagem padronizada de "família perfeita do rico subúrbio norte-americano") ficou severamente comprometida, já que, de alguma forma, o filme não "abraça" os anseios dos personagens, deixando-os à mercê dos resultados do confrontamento real (idade) vs. ideal(ismo). Temática indiscutivelmente rica e abrangente, mas frio demais para maior apreciação (meu problema não é com a ausência de calor humano como definição padronizada [Dogville é uma obra-prima, imo. Quer mais calor humano que o "destilado" no Capítulo 9?], mas sim, com o fato desse filme prezar contatos sociais não estigmatizados e manter uma postura intocável quando trata de cada um - e isso não é "perdoado" somente pelo fato dos temas abordados serem considerados tabus; podem até ser, mas quem os carrega, em hipótese alguma). Me pergunto apenas porque as pessoas em geral acham o final tão triste? É justamente o contrário! Libertação e renovação (reparem chegada da nova estação). Certamente outra chance será dada ao filme.


097. (15 Mar) O Filho (Le fils, Jean-Pierre e Luc Dardenne, 2002 | cine Arte UFF | 46)

Para começar: o acompanhamento claustrofóbico da câmera instável em relação aos seus personagens é absolutamente inapropriado (pelo menos na parte inicial). Se eu fosse filmar essa história (sim, um dia) de aceitação e renovação, nunca colocaria o objeto tão próximo dela logo de início; tal aproximação deixa o protagonista em uma posição muito frágil: a de coordenador do eixo narrativo e portanto, todas as atenções do filme se voltam contra ele e seu conflito. É aí que reside meu problema com o dito: a câmera parece funcionar como a consciência perturbada (ou em momento que legitime tal comportamento) do mesmo, e para isso, o espiona a todo instante; como em um joguinho de suspense barato. Aliás, o fato dos irmãos belgas se recusarem a oferecer as informações imprescindíveis (elucidando de alguma maneira, as motivações do protagonista ao observar a todos com desconfiança, sempre com cara amarrada, farejando algo de ameaçador) endossa essa sensação da câmera que julga, pois, se nós não sabemos do que se trata (até metade da metragem), nosso único meio com o qual podemos "trabalhar" é a visão dos diretores em relação a ele e o ambiente. Logo, essas idéias do carpinteiro, as quais não compreendemos bem, indicam uma certa manipulação por parte dos diretores a medida que oferecem algumas opções plausíveis para tais atos (especialmente no agudo senso de vigilância com o novo empregado) mesmo sem apresentá-los de modo limpo (daí, surge a sensação desagradável de suspense com algo sério). Algo que tenta compreender a magnitude daquela confusão de sensações pessoais mas, instantaneamente, deixa transparecer um certo desvio de intenção/postura por parte dele (é só observar as tomadas que o apresentam de costas, na altura do pescoço). Eu sei, ficou complicado (na verdade, fiquei em dúvida se essa posição quase fetichista [como um documentário ficcional - creio que o Filipe mencionou algo assim] foi benéfica ou não - por fim, decidi que não), vou resumir: a ausência de subtextos específicos decorre da câmera curiosa, observa e espiona alguém que ocasionalmente observa e espiona; mas ela acaba por fazer(-nos/-me) desenhar conclusões que acabam por negar nossas/minhas idéias sobre evasão do turbilhão de emoções da alma para a máquina que invariavelmente a registrará/expressará = manipulação. Certo, talvez não me fiz entender (deixe uma mensagem na caixa, se for o caso), mas tudo bem. Mesmo com essas objeções todas, o filme não é burro (só quando subestima nossa inteligência com a "grande revelação" e nos faz acompanhar os meandros do perdão e vingança, sendo que já sabemos como tudo irá acabar - honestamente, era impossível um desfecho oposto, seria um atentado) nem desprovido de humanidade (cena da cozinha com o casal divorciado é ótima e fundamental para o todo). No fundo, as boas/tocantes intenções acabaram por me deixar dividido (glorificar a capacidade de renovação através da mudança da ótica com a qual olhamos as coisas e não do desprezo do protagonista pela vida pós-tragédia) com a desconfortável posição que ele nos oferece.


098. (15 Mar) Kedma (Amos Gitai, 2002 | cine Arte UFF | 23)

O Nascimento de uma Nação: inclui-se aí: diferenças étnicas, vontade de reconstruir a identidade nacional (e a própria) em outra nação, conflitos armados, monólogos intermináveis, frases feitas (incluindo uma fazendo analogia entre vento e vida, ugh!), os "lados" de cada um dos combatentes (bem, monólogos e frases-feitas [repetidas!] sustentam essas posições, que só estão lá para mostrar como Gitai é um bom-ouvinte-para-todas-as-facetas-da-problemática e se encontra confortavelmente acomodado no conflito árabe-israelense - esse tipo de filme político disfarçado de gênese da ambientação comunitária e sua postura não-intervencionista de tão certinha me ofende; e dizendo isso, não faço apologia às ações infundadas de ambas as partes mas sim, critico a indecisão de Kedma ao dividir conflitos e mostrar cada parte como sendo cooperativamente amistosa ou inegavelmente dificultadora, alternadamente = pura conveniência) etc. Não incluso: criatividade, originalidade, ritmo (os 14 planos-seqüência foram interpretados - no livrinho sobre a Retrô da UFF - como ampla capacidade de concisão e domínio criativo = por Deus, NÃO) e goles cronometrados de café, especialmente durante o monólogo final; que histeria, tsc-tsc...


099. (16 Mar) Kippur (Amos Gitai, 2000 | cine Arte UFF | 54)


100. (16 Mar) /Kedma/ (Amos Gitai, 2002 | cine Arte UFF | 41 [originalmente: 23])


101. (16 Mar) /O Filho/ (Le fils, Jean-Pierre e Luc Dardenne, 2002 | cine Arte UFF | 73 [originalmente: 46)


102. (17 Mar) /O Homem sem Passado/ (Mies vailla menneisyyttä, Aki Kaurismäki, 2002 | cine Arte UFF | 74)

O estilo é fabuloso: o tão pouco formal tom do diretor vs. a absoluta introspecção dos personagens. - segue -


103. (17 Mar) /A Viagem de Chihiro/ (Sen to Chihiro no kamikakushi, Hayao Miyazaki, 2001 | cine Arte UFF | 95)


104. (18 Mar) /Prenda-me Se For Capaz/ (Catch Me If You Can, Steven Spielberg, 2002 | cine Arte UFF | 76)

O mito do bandido de bom coração (Butch Cassidy etc.) destilando seu charme na América ingenuamente provinciana (self-made man, oportunidade$ igualitária$) é o mote desse filme agradabilíssimo. Digamos que o coming of age apresentado seja "efetivamente racional e afetivamente cativante" (a antítese perfeita da condução rotineira/complacente de Adeus, Lênin!) com DiCaprio "super"-racionalizando a dissolução do casamento dos pais em um âmbito mais pessoal - como se sua identidade estivesse prestes a ser apagada - portanto, uma válvula de escape se faz necessária para que ele perceba que o valor dado a certas coisas é relativizado decorrente das diferentes situações as quais se inserem e que estas são invariavelmente transitórias (ex.: o compromisso do casamento, constituição de uma nova família pela mãe). Basicamente, o filme nos deixa soltos, livres de qualquer oratória moralista (a glorificação do "se safar" com elegância; e os laços criados pelo personagem de Tom Hanks com o impostor ditam o clima gato-e-rato, e não uma traminha de vingança, "como um garoto conseguiu me passar a perna?"), para nos divertirmos com suas tramóias (difícil resistir: dinheiro + mulheres + trilha bacana) mas, ao mesmo tempo, puxa nossas rédeas em qualquer conversa travada entre pai e filho (verdadeiramente tocantes, é aí que se percebe a imaturidade do garoto que se passou por médico, advogado e piloto) ou entre o bom vigarista e o policial (idem, DiCaprio pedindo limites a Hanks é um dos momentos mais doces do cinema recente), mostrando que o mundo gira para o outro lado e remar contra a maré é inútil. Minha idéia de diversão: claro, conciso (mesmo com 140'), amoral e ambíguo, sem esquecer de estourar o balde farto de milho.


105. (18 Mar) /A Viagem de Chihiro/ (Sen to Chihiro no kamikakushi, Hayao Miyazaki, 2001 | cine Arte UFF | 95)


106. (19 Mar) /Spider/ (David Cronenberg, 2002 | cine Arte UFF | 52)


107. (19 Mar) /Extermínio/ (28 Days Later..., Danny Boyle, 2002 | cine Arte UFF | 75)


108. (19 Mar) Irreversível (Irréversible, Gaspar Noé, 2002 | cine Arte UFF | 80)

Quando Irreversível começou, quase meia-noite, matutei: será que o projecionista ficará atordoado com os créditos finais aparecendo logo no início e, principalmente, invertidos ("esse é um trabalho de ficção e qualquer semelhança..." surge do... nada)? Será que ele interromperá a sessão para verificar a sucessão dos rolos?


109. (22 Mar) Bicicletas de Pequim (Shiqi sui de dan che, Wang Xiaoshuai, 2001 | cine Arte UFF | 34)


110. (23 Mar) O Último Beijo (L'ultimo bacio, Gabriele Muccino, 2001 | dvd | 64)

Não apresenta nada de novo ou remotamente original, mas é tão agradável - Gabriele Muccino só pode ser o Cameron Crowe italiano. Pena constar os mesmos rompantes do eu-quero-minha-vida-de-volta ou eu-não-quero-me-transformar com as atribulações pessoais dificultando o momento da emancipação (dependendo do PV, casamento [inclua: paternidade e o que você quer vs. o que esperam de você]: liberdade ou reclusão); argumentos iguais (você não me ama mais; nosso casamento esfriou; não cuida do nosso filho), situações idênticas (traição; abandono da família) e o Grande e Redentor Momento do Início da Prática da Temida Responsabilidade Familiar. O açúcar merecido dos últimos minutos é compensado com um toque genial: três dos quatro amigos seguem com seus planos de viagem, não permitindo um excesso de finais felizes injustamente democráticos e potencializando o valor da decisão está-na-hora-de-sossegar do protagonista (adendo: essa viagem guarda um certo tom intimista de reflexão do "sentido da vida", como deixar sua marca no mundo e nas pessoas sem abdicar da essência própria [clichês muito bem remodelados]; e não, um oba-oba gratuito: o desfecho dos três passageiros é definitivamente o mais satisfatório, já que o otimismo desenfreado direto - no do protagonista - cede espaço à incerteza nebulosa - no da trupe).


111. (23 Mar) Albergue Espanhol (L'auberge espagnole, Cédric Klapisch, 2002 | cine Arte UFF | 55)


112. (23 Mar) Houve Uma Vez Dois Verões (Jorge Furtado, 2003 | cine Arte UFF | 53)

A extrema concisão narrativa não permite maior enfoque no cotidiano dos dois jovens (círculo de amizades, família, algo não parecido com sexo e decorrentes variantes), suas ambições são reduzidas a espalhar esperma nas vaginas alheias (enfim, um American Pie trocando a torta pelo pinball) reforçando a tese do pensamento adolescente se localizar na cabeça "de baixo" (aliás, Pedro Furtado está embaraçoso como o "melhor amigo", representando com ardor essa tese nas dispensáveis cenas do-inexperiente-nas-artes-da-sedução, quer-comer-todas-mas-acaba-faminto). Toda essa velocidade, supostamente, encerra em si a desgastada idéia do amor louco, com alta concentração de testosterona e sem razão de ser; pena, se tivesse comprado essa idéia, a alternância de estados de espírito poderia se ramificar em uma insistência-melô que poderia conter algo mútuo - ou mesmo unilateral, mas intenso o bastante para compensar a ausência da outra metade - ao invés do gênero papai-quero-aquele-brinquedo-nos-meus-domínios (pagar mil reais por uma noite de sexo me parece mais alienação estúpida que amor sem limites). Mas, ainda assim, bom; nota-se uma bem-vinda descontração, nunca deixa de ser honesto e ambivalente (Roza foge do afeto necessitado; a aceitação do protagonista por ela só é completa quando a moça compreende que precisa repensar suas atitudes um tanto discutíveis, mesmo sustentadas por uma realidade difícil, a qual parece ter sido dificultada pela racionalidade gélida usada pela mesma como filtro do dia-a-dia) e quem nunca sonhou ter/teve um amor na praia?


113. (23 Mar) /Janela da Alma/ (Walter Carvalho e João Jardim, 2001 | vhs gravado do gnt | 66)

Realmente, um documentário que parece ter sido dirigido e planejado com cautela (existe um aparente zigue-zague da câmera durante as palavras de Hermeto Paschoal, simbolizando seu defeito na vista; em outras, o plano e o contra-plano são usados para garantir rotatividade, simultaneísmo, com o foco "dançando" do entrevistado aos transeuntes etc. [estudantes de cinema: estou falando bobagem?]) e inclui-se aí depoimentos maravilhosos de Wim Wenders (cinéfilos com óculos ganham homenagem fabulosa) e Agnès Varda (breves comentários sobre o relacionamento com Jacques Demy, incluindo footage enfocando as folgas no cronograma de filmagem de Duas Garotas Românticas; o trecho selecionado mostrava o diretor vestindo com a maior calma do mundo o casaco ao lado de Deneuve, no café usado como cenário do filme citado - considerações maravilhosas a respeito do olhar condicionado pela emoção do artista ao objeto filmado). Mas, estranhamente, superficial e brando (talvez pelas inúmeras possibilidades do assunto: como da diretora de animação e seu defeito na vista como forma de exclusão social; uma ligeira inversão de atitudes características de pai e filho pequeno [o segundo contava histórias - à medida da concretização da alfabetização - para o primeiro, cego] dentre outras) e, principalmente, depoimentos que parecem abrir novos caminhos nunca trilhados pelo resto da metragem (notadamente os de José Saramago, retratando [muito bem, como de costume, mas não sei se suas colocações se dissolvem por completo na proposta] a entorpecente quantidade de delírios visuais proporcionados pela mídia e demais canais de comunicação; somente para descartar o olhar que já encontra imagens prontas com fortes influências externas e culturais). Alguns depoimentos são descartáveis (embora isso seja marcante na grande maioria dos documentários nessa concepção) resultando em um gancho narrativo ora frágil ora potente e algumas idéias reducionistas irritantes (estão ali, devido ao já citado problema das "idéias múltiplas, desenvolvimento insuficiente"). Ainda assim, muito leve, puro prazer, que, infelizmente, se encontra muito mais conciso que deveria (deixem Wenders soltar o verbo com tempo ilimitado, por favor). Aliás, alguém duvidava de que um bebê abrindo os olhos pela primeira vez seria usado como desfecho. Ohhh.


114. (24 Mar) /Embriagado de Amor/ (Punch-Drunk Love, Paul Thomas Anderson, 2002 | cine Arte UFF | 100)


115. (24 Mar) Agora ou Nunca (All or Nothing, Mike Leigh, 2002 | dvd | 68)

Personagens do subúrbio londrino enfrentando o esfacelamento da família somente para reconstrui-la gloriosamente - após tumultos interiores e exteriores, barracos e situações embaraçosas... a calmaria - no ato final. Mike Leigh é um supremo contador de histórias (no mesmo nível de Paul Thomas Anderson e Kiarostami), mesmo sendo tematicamente compatíveis, sempre guardam alguma essência nova (geralmente essas variantes se encontram na construção ou exemplificação da situação abordada; no estopim, dando início aos rompantes reunificadores, originados dos questionamentos inter/intra-pessoais; e na conclusão: (in)diretamente pessimista ou (in)diretamente esperançosa). Nesse filme, é complicado enxergar algum elemento original na abordagem; envolve os mesmo temas de alta densidade emocional (se conduzidos de forma satisfatória - são): luta contra o fracasso profissional gerando a conseqüente estagnação da vida familiar, a lenta e dolorosa sobrevivência do dia-a-dia, a complicada arte de amar (todos os tipos imagináveis de amor), o momento certo para cuspir o que ficou entalado na garganta etc. Como são conduzidos com sobriedade invejável (cenários "solenes", atuações diretas), algumas partes são verdadeiramente magníficas - notadamente a conversa travada entre Timothy Spall e Lesley Manville (absolutamente fantásticos, Spall está espetacular e olha que geralmente não destaco atuações individuais nos meus comentários) com perguntas indiscretas se misturando aos ressentimentos de longa data culminando no gesto de maior cumplicidade e confiança do cinema recente (observem na troca de olhares entre o casal no momento em que a esposa comenta para o marido como é estranho se sentir isolada e solitária e quando um "Eu sei como é." sai da boca trêmula dele... a conexão é instantânea... como se um não soubesse com precisão a vida e frustrações do parceiro até ali. É como um resgate da sintonia há muito perdida com um lamento pelos anos "perdidos" mas com a ternura restaurada ["Você costumava me fazer rir."]). Mas o tom otimista (os minutos finais, com a visita ao hospital da família reestruturada, se alonga demais no otimismo e redenção; o ideal, para mim, seria encerrar justamente com o abraço do casal protagonista) e as histórias paralelas - apesar de bem dirigidas (em grande parte, pela técnica do improviso do diretor), contando com excelentes atores, esbarram no convencional (jovem grávida com namorado violento, mãe alcoólatra etc.) - ao invés de criarem um mosaico, são tão distrativas/passatempo a ponto de serem abandonadas por Leigh após apresentadas, sem um desfecho coerente, aliás, sem desfecho (quando digo isso, tenho ciência de que muitos fatos da vida são deixados "em aberto", suspensos até segunda ordem, mas em celulóide, a falta de um desenlace conclusivo somente realça a força da resolução [ou pelo menos, a descoberta de uma nova trilha não experimentada] do conflito principal, subaproveitando os prováveis desdobramentos desses). Esse tratamento desleixado da galeria secundária custou ao filme vários décimos.


116. (25 Mar) /Adaptação./ (Adaptation., Spike Jonze, 2002 | cine Arte UFF | 76)


117. (25 Mar) /Embriagado de Amor/ (Punch-Drunk Love, Paul Thomas Anderson, 2002 | cine Arte UFF | 100)

Jesus fuckin' Christ. Próxima semana sai algo elaborado. Décima vez... ainda plausível, desconcertante pela genialidade e ritmo, pura elevação espiritual, orgasmo cinematográfico... #4 na minha lista de filmes favoritos, PTA = Deus etc.


118. (26 Mar) /Embriagado de Amor/ (Punch-Drunk Love, Paul Thomas Anderson, 2002 | dvd | 100)


119. (27 Mar) /Embriagado de Amor/ (Punch-Drunk Love, Paul Thomas Anderson, 2002 | dvd | 100)


120. (27 Mar) /Magnólia/ (Magnolia, Paul Thomas Anderson, 1999 | dvd | 90)

Costurado com fios de ouro, enérgico mas ao mesmo tempo consciente da melancolia envolvida (não há uma propriamente dita interação entre os personagens de diferentes núcleos [ou seja, raramente transitam fisicamente {emocionalmente, no belíssimo sing-along de Wise Up} para outros domínios], fato que só aumenta a desolação com a sensação de impotência não-escapatória e melhor, os problemas que afligem x são iguais aos que vitimam y, mesmo com abordagens e maneiras de lidar distintas). Não deixa de ser um Mike Leigh bigger-than-life (Life is Sweet vs. Life is Bleak), com o fundamental valor da reconstrução familiar em/fora de sintonia com o bem-estar do indivíduo, acabando por colocar em perspectiva os diferentes tipos de necessidades básicas (ser perdoado, amado, ouvido, tratado decentemente e nutrir o próprio arrependimento como via redentora) nessa inserção, sempre agravada por conflitos passados ainda vivos. As referências à Bíblia podem ser pretenciosas, mas diante do painel intimista-extrapolado de Anderson, até fazem sentido ao conferir alguma perspectiva mágica ao mundano (endossando o recobramento de valores antes perdidos, relativizando a dor em busca de conforto etc.). Como todo filme "retalhado", alguns trechos parecem receber um acabamento mais insatisfatório (definitivamente, Tom seduza-e-destrua Cruise) que outros, no entanto, se comparados com a exuberância do todo perdem até a significância. E veja se não é um toque de gênio, o menino Stanley cantar o último verso de Wise Up, "so just give up", constituindo um contraste perturbador entre os adultos solitários clamando por alguma sabedoria e o jovem com "toda a vida pela frente" podendo se tornar um deles em potencial, caso permaneça trilhando o mesmo caminho. Aliás, a cena resume - e une - com um só fôlego, o que poderia vir a ser vários monólogos condescendentes; deslumbrante.


121. (28 Mar) Untitled: Almost Famous the Bootleg Cut (Cameron Crowe, 2000 | dvd | 68)

Oh-tão-bonitinho (nos créditos iniciais, o protagonista escreve manualmente os nomes dos integrantes da equipe de filmagem; porém, grafa "Frances (McDormand)" como "Francis", levando-o a corrigir o erro de ortografia - não é bacana?), personagens convenientemente liberados e indiretamente moralistas, algumas observações afiadas sobre ilusão, dinâmicas inter-pessoais e amadurecimento. Pode ser encarado como "a-substantivado", embora não seja correto; Crowe faz um legítimo exemplar do feel-good movie (típico dele: Jerry Maguire, Say Anything...), com toda doce rebeldia, moralismo transgressor e suavidade possíveis. Não é complicado perceber as armadilhas sentimentais nos impostas ("I have to go home.", "You're home."; "It's all happening.") mas parecem tão precisas para expressar o indizível (Jesus, quem é o meloso agora?), o diretor deveria levar um prêmio por "honestidade emocional calculada", por mais contraditório que isso venha a soar etc. A meia-hora final é um desastroso arremedo simplório (ohhh, Penny Lane Cumpriu Sua Palavra embarcando para o Marrocos; ohhh, o artigo do menino foi publicado; ohhh, a família do protagonista foi resturada com o típico almoço caseiro; ohhh, todos viveram felizes para sempre; ohhh, souvenirs da turnê nos créditos finais; e quanto à namorada real de Russel? Ela é humana ou só uma via para que galões de condescendência serem arremessados contra o "triângulo amoroso" fajuto; e a patética cena do avião em pane, com conflitos armados, mas nenhum deles realmente desenvolvidos em uma esfera mais digna que o mero lavar-de-roupa-suja-em-público) no entanto, algo parecido com um coração pulsante (o coming-of-age é bem sustentado com um tipo de deslumbramento que só tem a revelar o despreparo do garoto para aquela situação e a passividade com a qual ele tenta se proteger e deixar, de alguma forma, sua marca ali registrada) contamina a tudo e a todos (Hoffman e McDormand arrasam, Hudson e Deschanel são esteticamente aprazíveis) e a metragem supostamente sufocante (162') é encarada como um passatempo dos mais agradáveis. (adendo: assisti a versão original lançada nos cinemas duas vezes; a diferença entre os diferentes cortes é passável, se não me falha a memória).


122. (29 Mar) Swimming Pool (François Ozon, 2003 | cine Arte UFF | 32)

Não gosto de reviravoltas. Especialmente das óbvias. Evidente que a escritora estava exercendo sua força criativa durante o desenrolar dos acontecimentos (ela geralmente acorda ou cai no sono, antes/após interagir com Sagnier); evidente a presença de uma metáfora englobando relações de poder entre criador e universo criado com manupulação direta das diversas situações e manuseios das armas de cada um dos envolvidos (sedução vs. perspicácia - psicologia medíocre) pela autora; evidente a preocupação da protagonista em mudar radicalmente (ou em menor grau, preservando alguma essência) seu estilo narrativo/temático a fim de ampliar suas possibilidades de extroversão (basicamente um wannabe qualquer) rejeitando a princípio a presença intoxicante de Sagnier para logo após tentar uma sutil aproximação. Realidade paralela = exercício de imaginação auto-consciente = o dito livro = o próprio filme. Realmente, de uma inteligência e criatividade espantosas.

sexta-feira, março 12, 2004

/Embriagado de Amor/ (Paul Thomas Anderson, 2002) [100]

Ah! A melhor história de amor já contada, justamente pelo teor vida ou morte que ela carrega para Barry Egan. É sobre redenção, telas multicoloridas, anjo na Terra, instrumentos musicais e, de quebra, os 10 minutos (20, se contarmos a partir do primeiro jantar & beijo) mais mágicos dos últimos anos (o soco no mapa americano inicia He Needs Me, e durante, o Barry extasiado e o introspectivo duelam até o confrono final na cama do hotel havaiano, com as duas personalidades de aceitando através de Emily - e ainda tem Waikiki com aquela mov. de câmera deslumbrante, parece deslizar sobre o amor dos dois; o beijo, com timing perfeito do momento da entrada de pessoas no saguão; o incrivelmente afetivo desabafo com a irmã etc.). Ah! - aguarde mais

***

/State and Main/ (David Mamet, 2000) [77]

Pureza, contaminação, contato, intercâmbios, meios distintos. Os químicos agradecem a doce lembrança. - aguarde mais.



quinta-feira, março 11, 2004

Kadosh - Laços Sagrados (Amos Gitai, 1999) [57]

O único motivo para ter tirado o filme da prateleira reside na exibição de outros dois do mesmo diretor Kedma e Kippur no cinema da UFF. Não me atrai muito um filme dissertando sobre a situação das mulheres oprimidas em países fundamentalistas pela obviedade do tratamento e concepção. É evidente que todos sabem da faceta cruel desse sistema ("o valor da mulher consiste no que fazemos dela", diz, a certo momento, um rabino), da quase supressão das liberdades individuais, do ortodoxismo que tenta mapear - e, consequentemente, suprimir - as emoções humanas etc. E, realmente, quando Gitai fala de casamentos aleatoriamente arranjados e do espírito transgressor da futura esposa-que-ama-outro-cara (na verdade, transgressor em relação àquela comunidade; basta observar a expressão assustada de sua irmã quando a noiva diz que perderá a virgindade com seu amado e não com o marido imposto) o nível do filme cai um pouco, já que daí, tira-se: a) descontentamento com a vida de casada, o que a faz procurar... b) o antigo namorado, a fim de... c) satisfazê-la sexualmente, o que levará à... d) desagregação do matrimônio e daí... e) parte para a busca de uma nova concepção de vida (ver créditos finais). Além disso parece que o diretor quer usar todos os meios possíveis para causar constrangimento (as núpcias da garota rebelde - brutalidade absolutamente padronizada e burocrática) e alienação as suas personagens a fim de incentivar um posterior confrontamento - ou não - com aquele ambiente desigual. Não chega a ser um grande problema, mas potencializa naquelas duas horas de filme algo que deveria sair naturalmente, diante de uma vida de reclusão e insatisfação. É contra essa corrente que segue o relacionamento do casal que não pode ter filhos; baseia-se na mútua compreensão - apesar do marido saber que após dez anos de casamento e nenhum filho na barriga, é seu direito casar-se novamente a fim de tê-los, ele ainda reluta em abandonar a esposa, enfim, muito doce - das agruras de um pelo outro (ver conversa sobre a aflição da ausência do herdeiro). Qualquer cena em que os dois aparecem são maravilhosamente humanas e oferecem intimidade não-forçada para o espectador, quase um alívio em um filme tão... (propositalmente) distante. Temos também as trivialidades de sempre, como o uso da incomunicabilidade para expressar solidão (bastante eficaz - ótimo uso do silêncio nos momentos-chave [notadamente na conversa entre irmãs, quando a caçula fala que o mundo no qual elas vivem não é o único e muito menos o melhor, e a mais velha permanece calada]) e a metáfora final (obviedade incrível): a mulher que apega-se ao marido morre; a que liberta-se dele ganha vida nova - engajamento desnecessário, bola fora etc.

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Velvet Goldmine (Todd Haynes, 1998) [25]

Até a meia hora inicial a cotação estava na casa dos 75, com referências brilhantes à Oscar Wilde, isolamento etc. Mas Todd Haynes parece achar seus Grandes Temas (conexão e manutenção da identidade/persona/pose) Muito Profundos - e realmente o são, mas não quando a maneira de os apresentar é tão nula como o caso. Na verdade é sobre isso mesmo: jornadas interiores (personagem de Bale, buscando a - gasp - essência passada, o espírito anti-terno-e-gravata) e metamorfoses ambulantes (o protagonista instável e incapaz de se revelar como é, criador de tipos que parecem evaporar e dar lugar a outros no mesmo instante - os quais variam de "idiota" a "cretino", passando por "demente" também = trocar de empresário urgente!) e não pude me importar menos com essa volatilidade de influências (o Glam Rock é criado e degolado nos anos 70, just a fuckin' fase), estilos e personagens. É vergonhoso um filme pegar emprestado a estrutura brilhantemente revelatória de Cidadão Kane e menosprezá-la a ponto da completa ausência de facetas da galeria ali abordada (e quando tenta [10 minutos finais], é meio que too late, see you later). Jesus!

quarta-feira, março 10, 2004

Comentários express, versão deluxe:

Vi Dogville pela terceira vez, ontem, e... sabe aqueles filmes aos quais assistidos novamente perdem o impacto porque você já sabe o que vai acontecer em seguida? Não foi o caso. Acho que a discussão sobre a arrogância do perdão foi absorvida com mais satisfação, assim como o conflito coletividade e individualidade-intencionada. Quando se perdoa não há conseqüente exclusão da culpa do perdoado? Isso é arrogância, achar que se pode desequilibrar a ordem natural de reflexão - prostração - redenção com as palavrinhas que todos queremos ouvir: "Eu te perdôo". E as fotos da Depressão justapostas com Young Americans me tirou algumas lágrimas dessa vez, coisa linda. [93]

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Em Nome de Deus, o filme que todos os meus conhecidos torcem o nariz, é satisfatório. Concordo que nas resumitivas três histórias iniciais (especialmente na primeira, com raros diálogos em uma festa irlandesa) a intenção política de Mullan é direta, buscando generalização através da pura e simples exemplificação; e que o tom, por ora, é exagerado (as refeições de padrões diversos, uma maneira simplista de abordar a desigualdade; as freiras malvadas, os padres estupradores e essa conjugação de desinência + autoritarismo se alonga bem mais que deveria) mas existe certa força nas cenas em que garotas parecem divididas pelo ímpeto da revolta anti-institucional vs. o indireto merecimento daquele castigo, com suas respectivas consciências se esfacelando para um todo uniforme e cordial (bom exemplo: o roubo da corrente-telefone e o motivo do tal ato). Algumas das mais afetivas seqüências envolvem a luta pela própria sanidade, livre dos preceitos opressores que as vitimam (principalmente na mãe da criança que a observa atrás das grades) e do regime no qual religião = domínio e Bíblia = manual de tortura. Posso dizer que os cabelos soltos de uma das garotas no ultra-genérico esquema-de-filme-baseado-em-histórias-reais-que-acaba-mostrando-a-vida-(ou-ausência-dela)-de-suas-personagens elevou a cotação em alguns dígitos. Acho que gostei mais das partes do que da soma delas, em um conjunto um tantinho trivial (as mesmas observações e o mesmo modo de mostrá-las) e unilateral (filmes-denúncia puro-sangue, geralmente, não escapam dessa contradição), mas mesmo assim, prendeu minha atenção - o que é difícil. [55]

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A Vênus Loira é notadamente estranho e curioso. Na abertura, parece ter saído dos contos dos irmãos Grinn e com um corte maravilhoso (lagoa - banheira) presenciamos a concretização das flertadas iniciais; juntamente com o diagnóstico (sim, em um espaço de 5 minutos) de doença grave, causada pelo contato direto com radiação (Jesus!) etc. Bizarro, realmente, é ver Dietrich cantando "Hot Voodoo"; um Cary Grant meio deslocado como o galã-milionário-destruidor-de-lares; um esconde-esconde, com direito a um trabalho de iluminação sublime, na remota América do Sul, dentre outras. O conflito família vs. trabalho (o primeiro leva indiretamente ao segundo), fidelidade, adaptação das vontades próprias às duras circunstâncias e as próprias pessoas que fazem parte de seu círculo, amor ao filho, tudo é domado com exatidão e serenidade por Sternberg, quase como um libelo à força da mulher em situações-limite. Os cinco últimos minutos são uma maravilha: o garotinho tenta reunir os pais completando a história de amor do casal (à la Grinn) - e reclamando quando um deles não a contava da forma como ele se acostumara a ouvir - e dando corda em um de seus brinquedos musicais, incentivando a "mágica do reencontro". [67]

terça-feira, março 09, 2004

Existe melhor filme sobre compromisso pessoal que A Paixão de Joana D'Arc?

segunda-feira, março 08, 2004

Na minha temporada de ócio anual, um tanto atrasada devido às fainas do vestibular, tenho feito poucas coisas (ficou boa essa introdução do tipo: Caro Diário etc.?). Ahn, hooooje, fui às Lojas Americanas (que já teve o privilégio de constar no meu outro blog, o das neuroses atuais [!]) - que recebeu um complemento instigante: Express; termo que indica rapidez, velocidade mas indiretamente bate na tecla do "a loja é muito pequena, comprida e estreita, logo não há muito o que se fazer aqui, portanto, express, por conseguinte, está enfeitando no letreiro da loja" - e comprei dois dvd's: Cães de Aluguel por R$10 (leia: R$9,99) e A Noite Americana por 20 (leia: R$19,99). Ocorreu um episódio fantástico dentro da loja, não vou contar aqui, mas envolve condescendência, uma atendente que não é feliz na cama, um gerente piedoso, desconfiança, o pessoal da fila querendo me trucidar, o jeitinho carioca e um bem-vindo desconto de 10 reais (leia: R$9,9... não, é 10 reais mesmo = hahaha etc.), só faltou a polícia, mas creio que eles estavam mais preocupados em "manter a ordem" (aham-aham) da parte elitista de Niterói expulsando os camelôs de lá (tsc-tsc) que averigüar uma e$perteza (sou inocente, juro) em uma loja na qual milhares de pessoas, diariamente, enfiam Sonhos de Valsa e Serenatas de Amor na calcinha/cueca ou os come deliberadamente.

Vi lá Apocalipse Now Redux e devo comprar com o aval do presente de aniversário do fim do mês; quero também O Doce Amanhã. E quanto a Império dos Sentidos? Vale a pena? Por R$10 (leia: R$9,99 - taí uma pessoa que sabe ser irritante)?

Voltando às compras de Natal atrasadas: em Campinas/SP há 2 semanas (nos cinco dias que passei lá, fui até Santos/SP, lugar que vamos morar a partir de abril e vi a casa e é linda. Coisa de cinema... Só não me perguntem se é cinema-o-último-baile-daquela-civilização ou cinema-casa-mal-assombrada... Sério, a cidade é uma graça e tem Lojas Americanas Não-Express a 5 min de casa. Yeah.) fui até a 100% Vídeo (que não existe no estado do Rio) e comprei lá Quase Famosos e A Lei do Desejo em dvd (respectivamente: R$25 e R$8) e uma fita de um filme do Bogdanovich que era Nickelodeon/No Mundo do Cinema. Comprei porque a) eu adoro A Última Sessão de Cinema; b) foi incluído n(um)a lista dos 100 Melhores etc. do Filipe Furtado (link ao lado). Uhhh, não, não foi. O do diretor que foi estava presente era Muito Riso e Muita Alegria e eu confundi e paguei R$8 nesse abacaxi com gosto de canal de TV a cabo para entreter pirralhos. Tristeza...

Seriados: Vi hoje meu segundo episódio de Seinfeld. É interessante. O primeiro falava do talk show de um personagem versátil que não sei o nome e da indiferença que as pombas tinham por outro, esse daí (também não sei como chama) é hilário e se relaciona comigo de alguma forma - minha relação com pombas é instável mas o motivo é outro. O segundo era do sorvete/iorgute sem gordura, o "fuck", o assistente do prefeito e o exame de sangue contaminado, os movimentos involuntários do braço de um deles etc. & assisti pela primeira vez Queer Eye for a Straight Guy. Nunca pensei que pudesse ser divertido, mas é. Os comentários dos gays-orientadores (veja só!) para a retração do fuzileiro naval e as partes do corpo de sua namorada são... inteligentes... têm aqueles o/e/ahhhhh's, "he is soooo cute" mas não chega a irritar não.

sexta-feira, março 05, 2004

Os Guarda-Chuvas do Amor

- proceda com cautela, segue alto teor de glicose; ingerir dois copos-de-requeijão de água e tomar cuidado extremo para não engasgar.

Basicamente (esse tipo de expressão redutora não deveria ser colocado perto de qualquer texto sobre esse filme) um poema sobre a transitoriedade de sentimentos e sensações, inerentes à vontade do amor até-que-a-morte-nos-separe. A história, pura e delicada do romance de dois jovens separados pela guerra, é inteiramente cantada (e esse recurso formalista soa nada intencional - muito pelo contrário, só endossa a impossibilidade de Guarda-Chuvas ser narrado de qualquer outra forma) e dimensiona como poucas a candura e urgência do amour fou juvenil. Os planos para casamento, moradia dos sonhos, penca de filhos (os nomes incluídos) estão todos presentes, assim como a mãe da heroína, centralizadora e preocupada com as finanças avermelhadas da família. Após a separação (a guerra é realmente cruel), a distância física afeta o emocional da garota desolada ("quem fica está em pior situação em relação ao que partiu" - mesmo que esse último alguém esteja no front): a memória falha ("Quando penso nele, eu vejo só sua fotografia"), o amado está "escapando" dos seus desejos íntimos e repentinamente o que parecia eterno é resguardado a um baú empoeirado. E, o que estava se desenvolvendo como um doce coming of age (com descobertas do sexo oposto se misturando e acrescentando nuances ao próprio processo) se transforma em um conto aterrorizante que realça a impossibilidade do amor, o imediatismo jovem que contorna o conformismo mas não perpassa as duras circunstâncias etc.

A alegria contagiante da primeira metade e a fé que depositamos em um reencontro burocrático-como-os-finais-felizes desaparece com a seqüência final, um breve reencontro da dupla. Em um posto de gasolina (um dos vértices dos planos perfeitos para o futuro do casal - grande ironia [o outro se constitui nos nomes do filho de cada um deles, iguais aos previamente escolhidos]), poucas palavras são trocadas. Secas, gélidas, impassíveis. O contexto é distinto (cada um deles se casou com outras pessoas: ele, "quem sabe dá certo, podemos tentar e ver-no-que-vai-dar..."; ela, conveniência e apoio pela gravidez do antigo namorado) e os devaneios de surpreendente rebeldia contida se desvirtuam tão perfeitamente que é difícil não se pensar na ausência de Justiça Divina no Reino dos Homens. É como se eles não se lembrassem daquilo (afinal, mais de dois anos se passaram e um rumo já foi conferido as suas vidas) mas e quanto a mim, a você, aos espectadores? Testemunhamos a v'e/o'racidade daquela paixão para toda aquela intensidade se dissipar em um curto circuito? As melodias encantadoras de Michel Legrand ainda soam latentes em nossas cabeças (convenhamos, há 40 minutos atrás estávamos vendo aquilo acontecer)! Não é possível! Eu quero as cores pastéis, o idealismo, a devoção extrema novamente... E em um ato de maestria do diretor Jacques Demy, a música que os acompanhava há tempos nos (re)lembra a existência da paixão jovem e solta um lamento pelas chances de felicidade e concretização irremediavelmente perdidas, insistindo na memória nostálgica e dizendo "não" em alto e bom som para as irreversíveis circunstâncias que os oprimem. Os tons pastéis voltam como souvenirs mas a realidade prática continua a nos atormentar a todo instante.

93


Obs.: Em uma revisão, a primeira parte, alegre que só ela, se transforma no principal momento para lavagem ocular (especialmente minha cena [melhor dizendo: trecho] favorita: logo após a saída da danceteria, o casal - no cais - falando/cantando "trivialidades" extremamente importantes para cada um deles [os planos! os planos!] naquele momento de suas vidas. Snif.), justamente por fornecer esperanças com prazo de validade vencido para este pobre espectador sofredor. Logo, antes ou após a sessão, beba mais copos d'água como reserva.

Obs. final, para o alívio de ambas as partes: Eu sei que essas brincadeiras não tiveram a menor graça, só estão aí para balancear a tristeza desesperadora que o filme provocou em mim (e muito provavelmente, em você também).

vapt-vup, comentarios express.

2a SOBRE MENINOS E LOBOS (3x) - brutal
3a SORRISOS DE UMA NOITE DE VERAO - Bergman faz comedia como drama (alias, como dissociar?), a extrema formalidade de tudo impede maior conexao
3a DOGVILLE - quero ver pela 3a vez nessa semana ainda e depois paro com a obsessao, juro!
4a DUAS VIDAS - McCarey é um genio, porçao inicial tocante (visita a casa da vó - ponto alto) e os ultimos minutos simplesmente de encher um balde, mas fortes influencias de O Bom Pastor na metade com a caridade, as crianças, a cantoria etc. Melhor quando é a la Make way for tomorrow.
5a. O BEIJO - Greta Garbo é linda e boa atriz, segura as pontas etc. Nunca um tribunal foi tao burro e aceitou as provas mais estapafurdias. mas tb, com Garbo na cadeira de réu quem nao iria ser condescendente. Tomadas incriveis (o assassinato nao é visto o que aumenta a tensao e constroi o suspense em torno da versao do crime de Garbo com sua indecisao [os ponteiros do relogio nao param em seu flashback = indecisao] etc) Final horroroso.
5a. RAINHA CHRISTINA - Individualidade vs. coletividade; prazer vs. trabalho; interior vs. exterior - vejam Dogville no lugar.
6a. O CHEIRO DO PAPAIA VERDE - Jesus, que coisa linda. Tranquilidade! Ioga!
6a. A VENUS LOIRA - grande von Sternberg, consegue dar alguma dimensao num personagem que provaelmente nao teria nenhuma em outras maos. Ok, a medula com a traminha de esconde-esconde é de uma nulidade tremenda, mas os ultimos 5 minutos compensam qualquer deslize, o garotinho tenta unir pai e mae completando a historia de amor dos dois e faz com que a "magica do reencontro" nao pare ao continuar a tocar o brinquedinho. Digna de antologia.

escrito em 5 min, nao reparem

quarta-feira, março 03, 2004

Dogville

Imagine um grande contingente de imigrantes, fugindo de perseguições religiosas, guerras tribais/civis, se apossando de terras livres daquela respectiva espécie de opressão, libertas de líderes autoritários e inflados sentimentos ufanistas. Os habitantes do país que recebeu essa leva de migrantes, mais especificadamente da cidade/região em que eles se abrigaram, não aceitam isso muito facilmente; não é conveniente e muito menos conivente. Por mais que os aspectos históricos contradigam essa recepção pouco calorosa (as tribos indígenas foram quase dizimadas na presença dos primeiros colonizadores, isso só para ficarmos no contexto do continente americano), a aceitação de estrangeiros é um processo complicado que nem sempre culmina em um aproveitamento comunitário do espaço, mas sim, na criação de uma mentalidade xenófoba.

A minúscula cidade de Dogville é representada por linhas brancas no chão delimitando paredes, ruas, arbustos e poucos objetos em cena (que, por sua vez, são deveras representativos: o armário com os remédios ao lado da poltrona na residência do hipocondríaco; as cortinas pesadas na habitação do senhor cego; a cama e cadeira de rodas na casa da menina deficiente). O sentimento universal que essa teatralidade provoca é intencional. Qualquer espaço urbano poderia ser Dogville ou pelo menos a conter em alguma porção significativa. As tomadas superiores reforçam a condição de jogo de tabuleiro, como se Deus - e o espectador, por extensão - observassem a Criação. Pode-se ver o dia-a-dia pacato dos habitantes, sem limitações de qualquer espécie; a interação de cada um deles (mesmo não ocupando o mesmo espaço, a sensação que essa técnica nos passa é a de união das diferenças, misturadas em um mesmo saco) aumenta, a medida que um senso de transparência e honestidade (uma referência ao todo-mundo-sabe-da-vida-de-todo-mundo das cidades interioranas) se estabelece nas relações sempre cordiais entre os mesmos.

Mas essa aparente cordialidade não seria apenas um registro funcional? A luz que incide em Dogville durante Prólogo ou na recepção calorosa de Grace não estaria beneficiando-a e retocando suas mágoas e ressentimentos com cores amenas? O arbusto se tornaria mais belo que nunca na primavera mas e o espinho que inegavelmente estava contido ali, iria o acompanhar no processo? Ao mesmo tempo que a cidade é vista por olhos condescendentes aos quais as pessoas que nela residem se esforçam para sobreviver (copos comuns transformados em artigos finos com uma técnica caseira; tortas vendidas a preços elevados devido à ausência de concorrência) e permanecer sãs (visitas semanais ao bordel local; a observação meticulosa e quase religiosa do pôr-do-sol por um cego), essa visão não deixa de examinar seu interior ("Essa cidade apodreceu de dentro para fora", diz um deles), os mecanismos humanos cruéis empregados especialmente na figura de Grace. Dogville é pura e correta? Só quando as idéias de pureza e correção validarem/apoiarem esses mecanismos. É um ambiente provinciano baseado na agricultura? Claro, interesses no capital estão em jogo (e daí, o contexto da Depressão Americana desaparece - e qualquer menção à obrigação de proteger a família e seus bens também é infundada - como fator essencial para justificar essas atividades).

Essa mudança de perspectiva é observada durante o decorrer do filme, mas a complacência continua pelo menos até o capítulo final. Grace, quando "apanha na face direita" oferece a esquerda para o mesmo fim. Ela é um presente dos Céus que busca preservar a idílica comunidade criada por Tom (que, segundo ele, está cada vez mais isolada no tour inicial no qual Grace é apresentada à Dogville). A exemplificação/ilustração de Tom busca categorizar cada reação daquele ambiente, a inserção de Grace ali é estudada como se fosse uma jogada decisiva em uma partida de damas. Ele centraliza a Moral e a generaliza para cada um dos moradores, todos são uniformemente decentes mesmo admitindo que cada um tem personalidades distintas. Tom parece ajudar Grace de forma a testar os limites de suas idéias (arrogantes) a respeito do idealismo do "fazer o bem sem olhar a quem", compaixão com desconhecidos. Ele quer satisfazer as necessidades altruístas dos cidadãos preenchendo-as com uma espécie de filantropia nitidamente falsa da mesma maneira que essa troca desigual de favores se constitua em um tecido para os livros de sucesso que sonha publicar. Em suma, os interesses literários de Tom pelas pessoas e suas reações são assimilados pelo mesmo através da recepção de Grace, uma doce mártir, pelos cidadãos; o fato dele querer que ela fique a todo custo só demonstra que o jogo ilusório não pode acabar até que uma resolução "psicologicamente" satisfatória seja encaminhada. O duelo travado entre ambos nas cenas finais é estupendo, a consciência individual que ela tenta passar para o "aliado" é vista, por ele, como uma forma de subestimar a sua capacidade intelectual. Tom é individualista até o fim, o valor que concede à sociedade tem motivos escusos, e só de escutar alguém o advertindo sobre os malefícios de relegar uma opinião própria o deixa perplexo pela falta de intimidade de um para com o outro.

Após o término do filme, perguntas martelam: Por que Grace ofereceu a outra face? Se não fizesse isso, revelando a verdadeira identidade e acabando com o seu martírio, Dogville poderia ser salva. Seria um pecado interromper a experiência naturalista no momento do embrutecimento das relações entre a mesma e o restante? Deixar a cidade de pé ou destruí-la? Quem tem o direito de matar seus opressores? O exemplo individualista de Grace é superior ao de Tom. Para ter conhecimento da sua excessiva piedade e comiseração com terceiros (levando em consideração o duro contexto da Depressão), ela abole o perdão e considera a experiência como uma forma de reassumir a qualidade indelével a ela: arrogante. O mecanismo da individualidade só encontra obstáculos ao se deparar com um contingente de pessoas autoritárias, cruéis, vis, que necessitam de uma absolvição. Grace poderia coroar aquelas pessoas como vítimas, mas entende que nesse ponto sua arrogância é nítida. Um padrão sócio-econômico inferior não pode significar um desvirtuamento da moralidade de maneira tão simples. Ela compreende que a criteriosa preservação da pureza se restringe ao próprio ser e não às duras condições de vida que eles possam vir a enfrentar.

O conflito entre individualismo e coletividade já rendeu diversos frutos, mas em poucos, as respostas foram dadas de maneira tão nebulosa. Aliás, existem respostas em Dogville? Como todo grande filme, os fins não justificam os meios. Apenas justificam a situação presente, aquele momento, aquela sensação contida ali há tempos. É gratificante o fato de Lars von Trier saber que o buraco é mais embaixo e, mesmo assim, não tentar cobri-lo com terra ou respostas fáceis. Ele é deixado lá, exposto para quem estiver disposto à encará-lo. Até os emocionantes créditos finais justapostos com Young Americans são irônicos porque contradizem a ausência de explicações desnecessárias (e, portanto, a atitude final de Grace).

gssa, 03/03/04.

segunda-feira, março 01, 2004

Em um dos meus outros blogs, o index 04, as cotações foram alteradas para o sistema 00-100 (existe algo místico ao se pensar caso um filme leva 72 ou 73; geralmente a cena-chave, a resolução inteligente, aquelas palavras bem colocadas, a atriz etc. - esse critério acaba por envolver uma série de sensações que não são despertadas com as burocráticas *s, que parecem deixar tudo com falsa idéia de organização, tudo em panos quentes, crítica à diversidade...). Mas, nesse aqui, o carro chefe do meu Carnaval, as estrelinhas autoritárias continuam. Se tiverem curiosidade mórbida pela escala 00-100 (que muita gente adora, eu sei) vão até o outro e glorifiquem minha coragem e perda de tempo.

A seguir alguns pontos injustificadamente atrasados sobre...

Aurora: Parem de freqüentar um blog que exalta um filme mas não sabe como expôr seu micro calcanhar-de-aquiles de maneira convincente (aliás, de maneira alguma) - no caso, a falta de interação mais vigorosa entre a Vampira e o camponês que se constitui em uma relação passivo-agressiva mas não a ponto do fascínio pela cidade e suas facilidades ser conciliado com a figura da mulher urbana; a separação da ilusão de sua criadora (a partir do momento em que ele se imagina nas danceterias ao invés de sua presença no campo a ser cultivado existe a suspeita do prazer próprio; não importa se é ou não fortalecido por sua "influência externa", o hedonismo que aquele homem nutre na busca pela felicidade, independe de paixões arrebatadoras-mas-ocasionais) o prejudica porque a reconciliação posterior do casal protagonista se potencializaria na quebra das duas vertentes unidas (femme fatale e "modernidades") a partir da reconstrução desses mitos ao lado da esposa, relativizando-os aos seus devidos lugares e reconhecendo a importância da união matrimonial, basicamente endossando os valores humanistas de Leo McCarey (ver a inacreditavelmente bela cena do casamento, ainda que se estruture em uma metáfora óbvia [curiosamente, estruturação é o termo perfeitamente aplicável, acrescentando-se um "re" a sua frente]). Mesmo com minhas críticas infundadas (ela se baseia mais em sensações, não é algo específico, objetivo - deixe uma mensagem na caixa de comentários caso queira algo mais... palpável - eu geralmente sou melhor em responder questionamentos aleatórios), Aurora continua firme e forte quando força seus personagens (notadamente o camponês ao tentar matar a esposa, a própria e a insegurança ao lado do marido irreconhecível e a Vampira na derrota final) a enfrentar seus vazios e inseguranças; a procura desesperada por conforto e felicidade os empurra para uma insatisfação compulsória (que, por sua vez, se alia ao desencanto e angústia de dois grandes filmes que vi recentemente: Segredos & Mentiras e Sobre Meninos e Lobos) a qual culmina em cada ato de ruptura com qualquer estrutura que os limita (especialmente a Moral desvirtuada). É sobre como achar seu próprio espaço não impedindo a livre procura de terceiros... Satisfação improvável mas não impossível etc. São temas que eu adoro.