quarta-feira, fevereiro 04, 2004

043. (04 Fev) /Encontros e Desencontros/ (Lost in Translation, Sofia Coppola, 2003 | Estação Icaraí, 102' | *)

"Todos querem ser encontrados" [tagline do cartaz]. Inclusive minha pessoa: afundado na poltrona roncando suavemente.

É a unanimidade do ano. Geralmente não gosto de correntes de pensamento unilaterais, mesmo concordando que na maioria das vezes o hype não é gratuito (como Sobre Meninos e Lobos e A Viagem de Chihiro). O que a Sra. Coppola pensa que está fazendo é uma coisa, o que ela alcança, ai-ai, é outra bem (leia: BEM) diferente. Charlotte tem problemas com o marido, que "não dá atenção para ela porque trabalha demais" e não encontrou uma [insira bocejos] "motivação para a vida" & Bob tem problemas com a... esposa, que... "não dá atenção para ele porque já estão casados há 25 anos e ele passou a ser tomado como elemento superficial tanto na criação dos filhos como na vida da cônjuge" e também parece um morto-vivo, com ânsia pela iluminação espiritual e pelo desejo pulsante de descobrir qual é a tonalidade da cor borgonha etc. Nada contra a visão dos japoneses como seres bem-intencionados, freqüentemente irritantes, engraçados - não vejo preconceito nenhum, já que ela é uma reação natural ao sintoma conexão-desconexão (entenda isso como a sintonia do ser com suas referências...) Mas a Sra. Coppola usa esse ponto de vista sem um filtro (elas podem ser inteligentes mas se não fosse a deliciosa expressão de constante espanto/surpresa/desespero/pânico de Murray seriam terrivelmente sem-graças) já que tudo é pretexto: entrevistadores afetados, professores de ginástica, "guarda-costas", até em um hospital, o filme quer que nos fazer gargalhar porque um médico se comunica com Scarlett em japonês e ela não entende & do outro lado, Murray "brinca" com um senhor tentando adivinhar o que ele grunhe e tome goela abaixo... Isso talvez não se constituísse em um grande (leia: GRANDE) problema se o objetivo da produção fosse radiografar diferenças culturais e a influência da familiaridade lingüística na localização "psicológica" do indivíduo. Não é. A meditação que Sofia Coppola quer que façamos é a respeito da ligação entre Bob & Charlotte e de que maneira essa química os integra ao ambiente multi-colorido, dantesco e simplesmente ensurdecedor japonês. O tempo para o desenvolvimento da relação ("que não é amor mas também não é amizade" = como se essa fluidez trouxesse uma bem-vinda ambigüidade a um filme desprovido de qualquer [leia: QUALQUER] novidade [adendo: confira os três primeiros comentários na caixa ao final]) é ultra-cronometrado (os japas fofinhos endossam!) e as poucas cenas se resumem a "você ainda tem esperança", busque ser o que você... crash kabum ploft bang... é (!!! & here we go),
"quanto mais seguros de nós mesmos, menos susceptíveis somos à interferências externas", "acredito em você", "you can dance!" - nada revelador, nada íntimo, nada pessoal, nada "humano". Não conhecemos muito o background de cada um (o que não é exatamente uma falha, já que isso concentraria todos os esforços do filme em construir uma identidade pessoal que refletisse o real, livre da memória = maior conexão com o outro) e isso é o que poderia salvar o filme do apatismo irritante [adendo: confira os três primeiros comentários na caixa ao final]. Já que não houve envolvimento, por minha parte, com os protagonistas (exceto com as olheiras de Murray e os lábios doces de Johansson - esses últimos, num conjunto maravilhoso, a-ham), suas memórias e vontades também caíram por terra. Com isso, só o que sobrou foram os japoneses e o retrato vibrante da fascinante Tóquio. Vou tentar resumir: ao invés de enfatizar a interação da dupla & suas respectivas bagagens emocionais, colocando o ambiente (pós-desconforto inicial) em segundo plano, E&D faz justamente o contrário: externaliza o que deveria ser interno, sussurrado (aliás, a cena final é a única em que isso é levado em conta - pelo menos uma, vejam vocês...), secreto; dando importância demasiada ao ambiente que os rodeia e não quem os cerca. Isso tira do filme toda a intensidade almejada e faz com que ele afunde igual a uma bigorna em suas pretensões pop existenciais.

* A estrelinha solitária está lá porque, verdade seja dita, não há manipulação, é tudo muito honesto, clean que só. Talvez mais (leia: MAIS) do que devia. Sofia, inclua no seu vocabulário o termo "ambivalência" por favor.

Obs. 1: eu sei que a parte final do que escrevi contradiz tudo o que tenho dito sobre o filme (que assisti no Festival do RioBr no ano passado - gostei [pessoas mudam de opinião, sabia?]). Nos comentários, tenho escrito que o ambiente neon e luminoso de Tóquio se contapunha com a busca pela calma e reflexão interior de Bob & Charlotte. Em parte isso ainda continua valendo. O trabalho de Sofia Coppola no deslocamento espacial (em relação à cidade) e sentimental (eles próprios) dos personagens merece ser reconhecido, mas a importância exagerada que ela confere aos habitantes e à localidade é um grande empecilho para a nossa (ok, fã, MINHA) ligação como os mesmos.

Obs. 2: E olha que nem falei da péssima presença em cena de Anna The Ultimate Material Girl Faris, mas até que a cena da coletiva de imprensa foi divertida, especialmente no que ela e Keanu Reeves tinham em comum (uma casa em L.A., três cachorros...).

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