sábado, fevereiro 28, 2004

071. (21 Fev) /Segredos & Mentiras/ (Secrets & Lies, Mike Leigh, 1996 | DVD, 142' | ****)


072. (24 Fev) Peixe Grande (Big Fish, Tim Burton, 2003 | cinema Icaraí, 125' | ***)


073. (24 Fev) /Sobre Meninos e Lobos/ (Mystic River, Clint Eastwood, 2003 | Estação Icaraí, 137' | ****)


terça-feira, fevereiro 24, 2004

Estava vendo o mui burocrático desfile da Imperatriz Leopoldinense (calma, não vou perder mais tempo com Carnaval, mas basta dizer que a Mangueira estava deslumbrante e o Salgueiro idem, ressalvas apenas para o número insatisfatório de peitos e bundas [devidamente desnudos, óbvio] no Sambódromo) quando abro o armário de fitas vhs e lá encontro História Real, oldie fave. Complicado descrever o que me atrai tanto nele. São muito raras as vezes em que um filme me induz a uma auto-análise de colocar coisas na balança e tentar achar um equilíbrio entre o ser e fazer; brutalmente colocando: um compêndio entre o que se quer e o que ganha/faz, a dificuldade de se fazer valer em qualquer lugar, nossa marca no mundo não é facilmente detectada/imposta etc., mas não tanto como em HR. Se eu fosse obrigado a descrevê-lo sucintamente, colocaria em destaque a ratificação constante da possibilidade de generosidade no mundo. E a fraternidade, que parece cada vez mais distorcida, só pode ser traduzida na vontade de recomeçar, passar por cima de qualquer ressentimento passado, e aceitar que muitas emoções estão em jogo - basicamente a consciência da coletividade...

...e blá blá, não sai nada (bloqueio!) e isso será deletado nos próximos dias só para que vocês percebam até que ponto se pode chegar quando se venera um filme.

Ah, estou com preguiça de fazer pela septuagésima primeira vez aquele formato chatíssimo de log (com nome original, diretor, fonte e duração da porra do filme - como que eu fui levar os minutos que se passa na frente na tela da tv em conta? É agradável no começo mas cansa ficar na dúvida se a fita vista é da Continental ou da Cult & Classics etc.) então, rapidamente, revi Segredos & Mentiras (continua vigoroso, intenso; Jesus, estamos falando de Leigh, ok? Basta.) e amanhã é dia de Peixe Grande e a sonhada revisão de Sobre Meninos e Lobos. E prometo que elaboro algo sobre Dogville e vai ser grandinho (e talvez coloque SMeL no meio - sentimentos comunitários, sabe?).

domingo, fevereiro 22, 2004

Sem paciência para comentários no momento (preparo alguma coisa sobre Dogville e definitivamente comento Guarda-Chuvas). Aliás, não esperem nada.

Novidades: a digníssima retrô 03 da UFF conta com:

Ver (em ordem de empolgação): O FILHO, IRREVERSÍVEL, LONGE DO PARAÍSO, KIPPUR + KEDMA, HOUVE UMA VEZ DOIS VERÕES, ALBERGUE ESPANHOL, BICICLETAS DE PEQUIM, EU FUI A SECRETÁRIA DE HITLER, CARANDIRU, DESMUNDO.

Rever pela segunda vez: O Homem sem Passado, Prenda-me se For Capaz, Spider, Extermínio, Procurando Nemo, As Horas, Tiros em Columbine, O Pianista, Adaptação. E principalmente meus amplamente estimados Embriagado de Amor & A Viagem de Chihiro (7a. e 5a., respectivamente).

sexta-feira, fevereiro 20, 2004

066. (18 Fev) Aurora (Sunrise, F. W. Murnau, 1927 | vídeo, Continental, 95' | ****)

Em um panorama geral, filme perfeito, com aquelas fusões maravilhosas (destaco a visão do espaço na relva, a mulher da cidade o seduzindo, o momento íntimo no restaurante e a felicidade da reunificação amorosa no meio da rua - bem, acabei citando todos) e visão agridoce do amor matrimonial (no estilo Leo McCarey, inclusive com duas cenas divertidas maravilhosas: a cabeça da estátua e o puxão de orelha no marido) e do recomeço (inclusive em uma das cenas que mais me emocionaram: o perdão na Igreja com um casamento em andamento) ... a ser remodelada/completada.


067. (18 Fev) /Os Guarda-Chuvas do Amor/ (Les parapluies de Cherbourg, Jacques Demy, 1964 | DVD, Versátil, 87' | obra-prima)


068. (18 Fev) Dogville (Lars von Trier, 2003 | cinema Art-Uff, 177' | obra-prima)


069. (19 Fev) A Bela da Tarde (Belle de Jour, Luis Buñuel, 1967 | vídeo, Lumiere, 101' | ***)


070. (20 Fev) O Fantasma da Liberdade (Le fantôme de la liberté, Luis Buñuel, 1974 | vídeo, Sagres, 104' | ***)

terça-feira, fevereiro 17, 2004

c07. (15 Fev) Zero de Conduta (Zéro de conduite, Jean Vigo, 1933 | vídeo, Continental, 41' | ***)

Ver c08.


063. (16 Fev) Escola de Rock (The School of Rock, Richard Linklater, 2003 | cinema Bay Market, 108' | ***)



Tudo de interessante sobre o filme já foi comentado (especialmente na crítica do Tiago, que cobre tudo - é isso o que acontece quando se assiste a um filme-unânime após os outros! Anotem!). Só quero deixar registrado que o grande apelo da personagem de Jack Black (logo, do filme, já que os dois são indissociáveis) consiste nos seus verdadeiro$ objetivo$ quando aceita o emprego e no fato de não querer "comprar briga" com nenhum tipo de resistência aos seus métodos anti-convencionais (até porque ele não saberia como lidar com ela - ver cena da reunião de pais e almoço com corpo discente - daí a doçura do auto-conhecimento no contato com terceiros). Ele não ganha batalhas, não passa mensagens edificantes para seus alunos e o filme não o enxerga como um herói (mas sim como um autêntico tapado e balzaquiano-dependente que quer se divertir) e nem seus "colegas de profissão" - incluindo-se aí a diretora - como autoritários e intransponíveis (mas sim como seres sujeitos à ordem institucionalizada, inclusive com a cobrança maciça dos pais). A personagem de Joan Allen se envolve no conflito "o que sou vs. o que esperam de mim" e por isso sua "descontração" pós cerveja no bar com Black parece merecida e verdadeira (ela canta e faz os trejeitos de uma música de seu cantor favorito não-bêbada - eu marquei "não-bêbada" porque é tão honesto o fato do roteiro não humilha-la naquele que é um momento especial para ela). Ok, não sei o que é mais clichê: a banda da trupe ganhando o concurso (provando o valor do - oh! - trabalho comunitário) ou perdendo (provando que o importante é competir e o trajeto é mais importante que a chegada e blah-blah); o menino afeminado me dá nos nervos pela obviedade (estilista - ninguém sabia...) de construção, os conflitos me parecem um pouco rasos (acho que devido às respostas vagas de Black quando consultado, ex.: menina obesa, quero-ser-cool etc.) e aquele casal que divide o apartamento com Black poderia ser eliminado sumariamente (a moça-limão-azedo funciona como antídoto para o charme de Black [provavelmente uma concessão aos detratores do ator, que poderiam se enxergar nela, dando gritinhos orgásmicos quando ela chama a polícia para denunciá-lo] e o homem-banana-passa[da] serve para mostrar que mesmo querendo que o amigo tome um rumo [emprego! emprego!] ele ainda admira sua perseverança com as raízes do rock = nostalgia etc.). Mas aquelas crianças são tão fofinhas (adoro a nerd, em particular)...


c08. (16 Fev) /Zero de Conduta/ (Zéro de conduite, Jean Vigo, 1933 | vídeo, Continental, 41' | ** [originalmente: ***])

Da categoria: "Libelo contra o autoritarismo institucional - segue anexo o abaixo-assinado e/ou formas anárquicas de resistência comunitária". Isso não é ruim, especialmente porque a sensação de Ordem Imutável e Inexorável é manipulada muito bem a medida em que é fácil acreditarmos na opressão daquele sistema educacional falho àquelas crianças; mesmo sem se deter (ou pelo menos com menos intensidade, já que todas as seqüências com esse intento [algumas aulas práticas e a primeira noite] parecem servir de veículo para a "conspiração" dos alunos) a aspectos que endossariam o caráter de-cima-para-baixo puro e simples; Vigo cria um ambiente de constante alienação educador/educado. Mas é difícil aturar o professor idealista com trejeitos de Chaplin em uma referência óbvia a um processo educacional mais engajado vs. o restante com idéias retrógradas (essas vertentes muito opostas sempre originam idéias maniqueístas ao meu ver porque - a) não contrasta olho-no-olho essas posições distintas; b) categoriza indivíduos que poderiam ter inclinações diversas dentro do mesmo "pólo") e o mais grave: o curta, mesmo alcançando todas as metas, não me emocionou como esperava (exceto por uma cena maravilhosa: em slow-motion com penas voando, estandartes e travesseiros em mãos, os meninos - de pijama - se rebelam) inclusive perdendo muito de sua força com uma revisão (esse tema do idealismo estudantil é muito ingênuo e condescendente).


064. (17 Fev) /21 Gramas/ (21 Grams, Alejandro Gonzaléz Iñárritu, 2003 | cinema Art-Uff, 125' | *** [originalmente: **])


065. (17 Fev) Adeus, Lênin! (Good bye, Lenin!, Wolfgang Becker, 2003 | cinema Art-Uff, 121' | *)

Nem engraçado ("É o corte de 2001!" e os jornais criados, que acabam por inverter o apelo consumista-desenfreado ocidental na desistência dos alemães ocidentais às relações man-bites-man capitalistas e desejosos de servir ao comunismo como... camponeses, são bem-vindas exceções), nem comovente (relações conturbadas paternais [que são pessimamente desenvolvidas a partir de arrependimentos etc. Parece muito conivente com a necessidade do filme de mostrar a família unida - ou pelo menos um sabendo do paradeiro do outro quando a matriarca morre. A tagline de Adeus, Lênin! poderia ser: "A reunificação dessa família foi mais importante que a da própria Alemanha."], iniciação sexual, "dá para controlar sua fábrica de filhos, querida irmã?", velhinhos nostálgicos com os tempos de outrora [o mantra "Até isso eles nos tiraram!" repetido incontáveis vezes], a embaraçosa cena do banco ["Esse era o nosso dinheiro até algumas semanas!" Fight Lola, Fight!], a narração em off muito lustrada e bonitinha demais]). Existem muitas menções à Coca-Cola (leia-se: alguém consegue ser menos original?) e ao Burger King (o bordão da Cia. denota a mecanicidade cada vez maior do ser, algo apropriado mesmo não-explorado). A grande virtude do filme está concentrada em sua porção dramática - e irônica. O simulacrum para proteger alguém próximo é bem-intencionado mas a realidade paralela criada pelo Michael J. Fox alemão na adaptação à nova ordem política alemã o beneficia (na verdade, mais que beneficia, é necessária, quase um pedido interior egoísta e imaturo) também. A produção explora a capacidade que temos de iludir e nos deixar iludir com nossas próprias ilusões (observe que a mãe, mesmo sabendo da verdade, continua a deixar seu filho viver na sua idílica criação). Falando das inseguranças de um adolescente espelhadas em uma causa nobre - buscando constantemente uma forma de lidar (vide final-despedida: mãe e Pátria materna = aceitação necessária, segundo o sábio Yasujiro Ozu) com a transitoriedade da vida, Becker se sai muito bem. Pena que o resto seja tão nulo/repetitivo.



domingo, fevereiro 15, 2004

061. (14 Fev) L'Atalante (Jean Vigo, 1934 | vídeo, Cult & Classics, 82' [versão restaurada: 89']| ***)

062. (15 Fev) /L'Atalante/ (Jean Vigo, 1934 | vídeo, Cult & Classics, 82' [versão restaurada: 89']| ****)

Individualismo vs. Coletividade; quando 1+1 é diferente de 2 etc. Belíssimo.

Erro cretino: pensei que o filme fosse de 1932 e como sabia que Zero de Conduta era de 1933, peguei esse primeiro. A cronologia foi para o espaço, ainda bem que os dois filmes nada se completam; vejo Zero hoje.


sábado, fevereiro 14, 2004

060. (13 Fev) A Idade do Ouro (L'âge D'or, Luis Buñuel, 1930 | vídeo, Continental, 60' | *)

"Um Cão Andaluz e A Idade do Ouro são definitivamente criações surrealistas, onde a consciência política se entremescla com o devaneio onírico e as imagens se esforçam em romper seus vínculos com a realidade para melhor criticá-la através de um contínuo estranhamento." (Nelson Ascher, Luis Buñuel e seus Demônios, Folha Conta 100 Anos de Cinema)


Um Cão Andaluz é um curta delicioso, vigoroso, com idéias fascinantes. Estava esperando algo completamente non-sense, mas a lógica da história do amor louco e suas ramificações bizarras fazem algum sentido de uma forma igualmente estranha. O que me fez ficar viciado (vi 6 vezes) é a velocidade que é imprimida a tudo (carícia dos seios com a roupa cobrindo-os - sem roupa - nádegas), os cortes rápidos, especialmente nas transições que mudam o ambiente circundante rapidamente (axilas - pedra - mão) mas acima de tudo o inesperado, a quebra de expectativas. O melhor exemplo para isso é a badaladíssima cena inicial: o protagonista abre os olhos da mulher /corta/ a nuvem "perfura" a Lua /corta/ ...e quando eu, incauto espectador, pensei que Buñuel não iria mostrar o ato de fato - já que a nuvem e a Lua o representaria indiretamente -... boom, ledo engano = brilhante. Apresenta também uma seqüência com padres amarrados à dois pianos com animais mortos em cima: religião ridicularizada, l'enfant terrible já atacava no primeiro filme, precoce e determinado, não? O maior elogio que se pode fazer à produção é que ele destroça perfeitamente qualquer convenção narrativa.

As expectativas estavam altas para A Idade do Ouro. Pensei ser uma versão esticada de Cão (duração quatro vezes maior) só que menos veloz, mais ciente do que diabos Buñuel quer dizer mesmo com todo o tom surreal do anterior. Primeiro banho de água fria: a cópia da Continental está deplorável, abominável, impronunciável etc., melhor não vê-lo nessas condições, confiem em mim. Segundo banho: a energia de Cão deu espaço para cenas gratuitas (Jesus participando de uma orgia - vejam! vejam! - padre e girafa jogados pela janela - observem! observem! - pai matando um filho - não percam! - mulher lambendo os dedos do pé de uma estátua grega - oh, que ousado! Buñuel safadinho!) e um fio narrativo, digamos, convencional, mesmo com toda a profusão de seqüências nada convencionais como as de cima. É uma louca love story (bem como Cão, mas lá existem outros aspectos se chocando e isso pode ser [e é] apenas uma parte de tudo), com os amantes sendo interrompidos na consumação do desejo sexual (algo como o plot de O Discreto Charme da Burguesia trocando comida por sexo). O grande charme de Cão era o não estabelecimento de fronteiras entre o real e o imaginário e a criação de cenas que mudavam o tom e motivações dos participantes em segundos pulando de sonho para realidade; Ouro não tem essa condição de deslocamento (porque os atos surreais dos personagens são derivados de comportamentos demarcadores sociais; então motivos são expostos, o fluxo de consciência entre o não saber/não se importar com o que se está fazendo desaparece, ganhando ares propositais e o conseqüente "choque pelo choque" surge = determinismo ingênuo) e as usuais (e devo dizer, cansativas) críticas à censura - presente nos atos controlados da nobreza e no relativo rigor do clero - das vontades indôminas humanas apenas salientam a histeria da coisa toda. A estrelinha solitária está ali devido a uma quebra de expectativas (muito parecido, nesse sentido, com Cão), afinal quem esperaria um documentário sobre escorpiões, depois observações sobre Roma (e o Vaticano, óbvio - achavam que Buñuel iria deixar passar?) e insights em uma festa da aristocracia em uma hora de filme? Um desafio à coerência. Mas nem por isso minimamente decente.



sexta-feira, fevereiro 13, 2004

Alguns comentários adicionados; Um Cão Andaluz & L'âge d'or amanhã.

058. (12 Fev) /Na Companhia de Homens/ (In the Company of Men, Neil LaBute, 1997 | vídeo, Cult, 97' | ***)

Poderosíssimo com sua estética gélida, estática e dedetizada (clima de corporação norte-americana inóspito) e idéias misantrópicas. Há quem ache que só o fato do jogo se verter do sexo masculino sobre o sexo feminino qualifique-o como misógeno e "guerra dos sexos filmada com seriedade ao contrário das comédias americanas das décadas de 30 e 40 que tentavam afirmar a mulher como igual etc." = errado (logo no começo, Chad fala dos pequenos empreendedores que roubariam seu status e o do parceiro; o fato da mulher de Chad nunca ter saído de casa [e esse era o pretexto {de que os dois foram abandonados por essas criaturas vorazes} para o início do jogo] mostra que as razões da tortura psicológica não tinham justificativas válidas [ou pelo menos contrariavam a que nos foi apresentada]). O filme só não ganha cotação maior (é material 4*, sem dúvida) porque as inserções do Capitalismo Selvagem e Cruel (na estrutura hierarquizada da empresa há muito espaço para a interação "dos de cima" com "os de baixo" enquanto um menor grau de contato viabilizaria a ratificação espontânea da lei "cada um por si"), já deram o que tinham que dar, mesmo colaborando com as idéias adversas à sociedade e seus produtos. Não há espaço para qualquer insinuação moral, o que rende alguns diálogos que me fizeram rir em desespero ("Ela é a pessoa mais gentil que cuspiu na minha cara", "Emite aqueles sons como os golfinhos... Flipper" sobre a vítima surda) e seqüências devastadoras, notadamente, o golpe final ("E agora, o que você está sentindo... lá dentro?", "Você é uma deficiente! Acha que pode escolher? Acha que alguém te quer?") - e a impassibilidade permanece mesmo aí. O pequeno momento de vitória e superação do ocorrido, representado pela mudança do ponto de vista com o "Escute-me" abafado pela surdez da moça, mostra que mesmo verdadeiro, o perdão não vigora porque "é assim que a banda toca"/é dessa forma que a natureza humana se afirma (observe a cronologia dividida em semanas com trilha lembrando uma selva urbana).

Encare o filme como XX+XY vs. XX+XY e não XX vs. XY, por favor.


c01. (12 Fev) Um Cão Andaluz (Un chien andalou, Luis Buñuel, 1929 | vídeo, Cult & Classics, 16' | **)


c02. (12 Fev) /Um Cão Andaluz/ (Un chien andalou, Luis Buñuel, 1929 | vídeo, Cult & Classics, 16' | **)


c03. (12 Fev) /Um Cão Andaluz/ (Un chien andalou, Luis Buñuel, 1929 | vídeo, Cult & Classics, 16' | ***)


c04. (12 Fev) /Um Cão Andaluz/ (Un chien andalou, Luis Buñuel, 1929 | vídeo, Cult & Classics, 16' | ***)


c05. (12 Fev) /Um Cão Andaluz/ (Un chien andalou, Luis Buñuel, 1929 | vídeo, Cult & Classics, 16' | ****)


059. (13 Fev) O Marido da Cabeleireira (Le mari de la coiffeuse, Patrice Leconte, 1990 | vídeo, Abril, 82' | ***)

Fácil, extremamente prazerosa fábula que parece nos dizer da fugacidade do sonho quando conquistado (o empenho em alcançá-lo deixa a pessoa que o desejou passiva, prestes a abandoná-lo; em outras palavras: depois de um tempo você vê que aquilo não é tudo na vida, tem defeitos aqui e ali e passa desejar outra coisa - a própria vontade de ver o que se quer se realizando é mais satisfatória que o próprio desejo, blah-blah) e da condição delicada que o objeto (no caso, uma mulher) de desejo fica: gravitando entre a mais gentil das atenções e a indiferença (a qual provavelmente irá ocorrer) do já deu o que tinha que dar, agora é partir para outra, beijos para quem fica. Cenas finais arrebatadoras, com fantasia do protagonista quando criança se misturando com a nostalgia da memória do próprio, mais velho e a percepção do valor de manter e ser fiel ao que se sempre quis.

Freud aprovaria esse comentário?


c06. (13 Fev) /Um Cão Andaluz/ (Un chien andalou, Luis Buñuel, 1929 | vídeo, Cult & Classics, 16' | ***)



quarta-feira, fevereiro 11, 2004

Adendo acrescentado com aspectos que chamaram minha atenção em A Viúva Alegre e Comentário para A Boneca do Amor, filme mudo da fase alemã do diretor.


056. (10 Fev) A Viúva Alegre (The Merry Widow, Ernst Lubitsch, 1934 | vídeo, Cult & Classics, 99' | ***)

057. (11 Fev) /A Viúva Alegre/ (The Merry Widow, Ernst Lubitsch, 1934 | vídeo, Cult & Classics, 99' | ***)

Tão gracioso, elegante, encantador... Tudo o que se espera de Ernst Lubitsch. Mas eu peco por esperar muito de seus filmes. Muito. Demasiadamente. Exageradamente. Excessivamente. Compulsoriamente. Quem manda ver Ladrão de Alcova e querer que qualquer trabalho dele seja tão deliciosamente amoral quando observa a interação de diferentes classes com aspirações diametralmente opostas (e não só porque essas classes estão representadas por um homem e uma mulher e o interesse é o amoroso... no estilo do diretor os interesses são conflituosos e não gravitam na mesma esfera do ama-não-ama; existe uma espécie de descontentamento subjacente com a sociedade e as "etiquetas" e demarcações fáceis que ela nos impõe)? Quem manda A Viúva Alegre não se (des)envolver mais para o lado da convivência entre estranhos (que, honestamente, Lubitsch faz mais e melhor [ok, analogia com Ladrão] que um A Regra do Jogo da vida) e cair no básico do padrão EL genérico: gracioso, elegante, encantador. Graça, elegância e encanto: eu espero sempre mais do Mestre do Toque.

Adendo: Na revisão pode-se constatar o perfeito trabalho do som (presente em qualquer filme de Lubitsch, com destaque para... ah... Ladrão de Alcova e Uma Hora com Você) que se modifica a cada reviravolta/novo elemento indicando surpresa (observar a cena do julgamento); o uso do diário como reflexo da vida social e pessoal da respectiva pessoa que o mantém (e a ausência de palavras após a morte do marido da protagonista indica resignação e repetição se fim ["Caro Diário: sou viúva.", "Nada para escrever" etc.] e quando ela encontra Chevalier, se sente renovada e escreve o que não escreveu nos últimos meses somente pela promessa de amor [em uma daquelas geniais tomadas "simplificadoras" do diretor vemos o pote de tinta cheio se esvaziar quase até o fim]); a decisão da viúva de trocar o luto do preto pela vivacidade do branco (incluindo o cão) é inspirado; no jornal que é apresentado na tela (sempre tive curiosidade para ler suas manchetes [um exemplo maravilhoso são as criadas no desenho da Pixar Monstros S.A.]) o subtítulo do mesmo é "A Paper for Table and Stable" ["Um Jornal para a mesa e estábulo"] que reforça o caráter agrário de Marshovia (por sinal, apresentada com ajuda de um close-up e de uma lupa); a referência à Napoleão na sala privada do Maxim's; uma gag de forte conotação sexual quase passa despercebida: é retirado de Chevalier, no julgamento, suas algemas, com a seguinte inscrição: "De Dolores (a esposa do Rei, com quem ele tem um caso; descoberto em uma das cenas mais inspiradas do filme com perfeita direção de atores [talvez o ponto alto dos galanteios deliciosos do ator]) para Danilo" (o personagem de Chevalier) - queria saber como ela passou no crivo da censura norte-americana...; cenas memoráveis: a valsa na Festa da Embaixada, "Você já teve relações diplomáticas com uma mulher?" e a cara de cafajeste-mor do ator mais encantador da década de 30, o café, a mensagem cifrada, o troca-troca da medalha, e encantadora cena final (com destaque ao diálogo: "Que nossos corações se mantenham gelados como esse champanhe. [após experimentá-lo] Poderia estar mais gelado..."). Estou pensando em conceder mais uma estrelinha ao filme.

***

A Boneca do Amor é (redundância a seguir) delicioso, com seu clima de fábula (o próprio diretor monta o cenário do filme como uma maquete [que, em uma transição inteligente, ganha dimensão real] na cena que o abre; o Sol tem várias faces expressando uma certa observação mágica/especial dos acontecimentos narrados; o cabelo do inventor e alternância de coloração para mostrar a ansiedade e preocupação, os balões no final; os animais presentes são ora representados por pedaços de papelão [galo] ora interpretados por humanos [cão e cavalos com vontades próprias]) e subtexto sexy (a reação da boneca/mulher quando o príncipe começa a despi-la a fim de colocar em seu corpo o vestido de noiva; a cena em que os dois escapam do monastério e ele a ajuda a pular o muro) mas com algumas observações completamente destoantes do conjunto (notadamente a herança do tio do príncipe e a disputa pelo testamento dos nobres parasitários a sua volta; a valorização excessiva do dinheiro por parte dos religiosos e o egoísmo [comida] e ambição dos mesmos [dote]) e outras muito facilmente resolvidas (as "genia's" do protagonista, a começar pela misogenia e aversão a tudo que se relacione à casamento, inclusive mulheres). Mas as cenas divertidas se destacam, com a imposição das necessidades pessoais da garota (espirrar, tossir, comer, beber) sobre a estaticidade da boneca e o assistente do inventor, que sempre se dirige a câmera/espectador para condenar os atos indelicados do patrão e nos dizer que ele não pôde revidar porque apanharia ainda mais (foi surpreendente a aparição desse recurso em um filme da década de 10).


terça-feira, fevereiro 10, 2004

050. (08 Fev) Bem-vindo, Mr. MacDonald (Rajio no jikan, Koki Mitani, 1997 | vídeo, Cult, 103' | ***)

051. (09 Fev) /Bem-vindo, Mr. MacDonald/ (Rajio no jikan, Koki Mitani, 1997 | vídeo, Cult, 103' | ***)

"Os programas de rádio não são demais? Acho que eles têm algo que não existe na TV. Se você coloca ficção na TV para competir com os filmes americanos precisará de efeitos especiais caros e computação gráfica. No rádio, basta o narrador dizer "no espaço" e você estará no espaço. Com o rádio pode-se chegar tão longe quanto à imaginação humana." (diretor do núcleo de produção de novelas)

Bem-vindo, Mr. MacDonald critica a sobreposição do ego no trabalho coletivo. Continua...


052. (09 Fev) /Cidade de Deus/ (Fernando Meirelles e Kátia Lund, 2002 | cinema Icaraí, 131' | **)


053. (09 Fev) 21 Gramas (21 Grams, Alejandro Gonzaléz Iñárritu, 2003 | cinema Art-Uff, 125' | **)


054. (09 Fev) A Boneca do Amor (Die puppe, Ernst Lubitsch, 1919 | vídeo, Continental, 46' | **)


055. (10 Fev) /A Boneca do Amor/ (Die puppe, Ernst Lubitsch, 1919 | vídeo, Continental, 46' | **)

domingo, fevereiro 08, 2004

Editado: Observação incluída.

049. (07 Fev) O Fim de um Longo Dia (The Long Day Closes, Terence Davies, 1992 | vídeo, Look, 84' | ****)


Nas ótimas experiências cinematográficas deste início de ano, O Fim de um Longo Dia e Meu Vizinho Totoro se destacam como painéis da infância pouco idealizados. Em particular o de Davies, com viés auto-biográfico, consegue extrair poesia dos momentos/situações mais banais (idas ao cinema, inspeção médica escolar [e qualquer outra que retrate a convivência interna dentro da instituição, especialmente com os professores e o diretor autoritários e com os poucos amigos que faz], canções populares [no mesmo estilo de Vozes Distantes, evocando a mesma sensação de nostalgia não- (excessivamente) romantizada], os irmãos do protagonista saindo para bailes ou passeando de bicicleta, a narração maravilhosa de The Magnificent Ambersons etc.) e criar cenas de encher os olhos e coração ao mesmo tempo (minha favorita: a câmera passeia pelas escadas sobre as quais ele brinca, se funde nas poltronas do cinema, depois segue para os assentos da Igreja e conclui nas carteiras da sala de aula - durante alguns minutos, Davies resume o que é a vida do garoto: os momentos inocentes de brincadeiras idem, o amor pelo cinema e a educação rígida e Católica). Ainda acho Vozes Distantes mais completo e com uma capacidade de tornar palpável toda aquela poesia ainda mais consistente; a diferença entre ambos reside no fato de Vozes ir e vir no tempo com cronologia não linear e entrecorte de observações pessoais, mostrando o que aquelas pessoas eram e o que são atualmente (fala sobre perspectivas e desejos que mesmo concretizados ou não, foram necessários para manter a unidade familiar, de alguma forma) enquanto Longo Dia se concentrar apenas nas recordações, sem interferência direta (leia-se: balanço pessoal; antes vs. depois - "direta" pois é óbvio que sua visão está em cada segundo de filme) de Terence Davies. A cena final, servida com uma música indescritivelmente bela, retrata que o longo dia da infância despreocupada e feliz chegou ao fim com o início das obrigações (representadas pelo compromisso escolar e as necessidades do menino de fazer novas amizades se "libertando" do carinho extremado dos familiares) da vida adulta; o céu se "apagando" em uma escuridão nos diz o quanto essa transição não é sentida por nós. Mesmo contra a nossa vontade, simplesmente acontece.


Obs: Estava revendo algumas cenas e me recordei de uma linda, que não mencionei. Um dos irmãos do protagonista junto com sua namorada se despedem em frente à porta da sala de estar da casa da família. As palavras correspondidas são trocadas por diálogos de um filme qualquer (provavelmente um que o garoto tenha visto já que isso ocorre em sua imaginação) que diz, a certo momento: "Você não precisa dormir agora...". E tudo culmina com a porta se fechando (o casal ainda do lado de fora) e com o Toque de Lubitsch, eles se beijam; enquanto isso, uma daquelas canções é perfeitamente inserida no conjunto, figurinha fácil nos dois filmes do diretor que vi. Essa cena pertence à porção saudosista do filme (reparem: saudosismo dentro do saudosismo), o menino, já ciente do fato que terá de largar da barra da saia da mãe e ir à luta, incentiva sua própria criação de um mundo paralelo no qual ele possa usar o que conhece nas suas constantes idas ao cinema para benefício próprio (no caso, nas artes do amor). Digamos que é um Yasujiro Ozu (especialmente meus favoritos Pai e Filha e A Rotina Tem Seu Encanto, que lidam com o tema da transformação inexorável, reinvenção contra vontade própria etc.) na versão mirim.

Ok, eu comparei Davies com Lubitsch (?!?) e Ozu (?!?). Me internem, por favor. Mas antes, assistam ao filme.


sábado, fevereiro 07, 2004

047. (06 Fev) Vozes Distantes (Distant Voices, Still Lives, Terence Davies, 1988 | vídeo, Sagres, 85' | ***)

048. (06 Fev) /Vozes Distantes/ (Distant Voices, Still Lives, Terence Davies, 1988 | vídeo, Sagres, 85' | obra-prima)


'Till human voices wake us...

Vozes Distantes é uma experiência transportadora, indelevelmente distante e próxima ao mesmo tempo. Isso pode ser explicado por se tratar de um filme sobre as ramificações da memória no presente e a convergência dessas recordações nos momentos-chave de qualquer família (morte da figura centralizadora, o patriarca; os filhos deixam a casa dos pais e se casam). A maior parte delas são permeadas por canções populares (elas próprias cheias de saudade: "No Tempo dos Pés Descalços", por exemplo) cantadas por uma coletividade alegre, pacífica, serena. Outras são incrivelmente impassíveis (especialmente os atos violentos do pai - contrapostos ainda por momentos de delicadeza exemplares: ele abençoa seus filhos enquanto dormem).

A decisão de Davies por uma abordagem sem sentimentalismo (que resultaria em uma festa nostálgica do "éramos (in)felizes e não sabíamos") não permite que as interações entre família e amigos percam a força. Somente pelo recurso da recordação, o diretor "força" uma aproximação dos personagens com o passado e os concede a capacidade de verificar que mesmo com certos momentos difíceis vivenciados, a capacidade de reinvenção de cada um (a matriarca fazendo de tudo para que seu lar fosse um ambiente feliz; os filhos abandonando progressivamente os pais [o garoto se alista nas Forças Armadas, uma delas se casa e outra, se muda para iniciar uma carreira]) os fez sobreviver e os alçou ao que são. É o maior elogio à vida em familia que já tive o prazer de ver.

Vozes é dividido em duas partes. A primeira, Vozes Distantes/Distant Voices é caracterizada por um grande número de flashes de reminescências da família (bailes, guerra, trabalho) e na segunda, Ainda Vivem/Still Lives esse registro diminue em número, mas a percepção de que as lembranças passadas ainda estão vivas dentro deles ainda sobressae. As transições entre passado/presente são muito interessantes: ora a tela é inundada com uma forte luz branca, ora o uso de janelas (metáfora perfeita para as distintas visões que ela proporciona - lado interior vs. exterior) marcam as idas e vindas. Como já dito, Vozes Distantes é uma experiência e como toda experiência, palavras não lhe fazem justiça; não consigo dizer o que exatamente estamos vendo na tela mas tudo é envolto por uma atmosfera tão carinhosa e sincera que as memórias dos personagens se misturam com as nossas e ficam indistintas, se relacionam e interagem. Algo melhor para descrevê-lo que isso (ou seja, que nada pode o fazer) não existe.

046. (06 Fev) O Espelho (Ayneh, Jafar Panahi, 1997 | vídeo, Cult, 95' | **)

Seria a mesma (boa) história de sempre, com graciosas crianças iranianas tentando superar adversidades (no caso desta, a caótica capital do país - Teerã) e atingir um fluxo de interação com o mundo e seus habitantes para alcançar o que quer. Mas tem uma brincadeirinha metalinguística de cinema-veritè se metamorfoseando na própria filmagem do filme (o que acaba por acentuar o caráter verdade do cinema em geral porque define que tanto na ficção como na realidade o objetivo real da garota é chegar em casa mesmo que essa ramificação provenha de outra fonte [a mãe não vai buscá-la no colégio & a menina está cansada de filmar e "pede demissão"]). Não chega aos pés de um Kiarostami e Makhmalbaf da vida (notadamente das maravilhas Close-up e Um Instante de Inocência) mas é interessante (mesmo se repetindo até dizer chega), oferece um painel cultural (especialmente os insights sobre família, o novo papel da mulher, educação - todos bem posicionados) e urbano (digamos que o trânsito de Teerã é uma coisa impensável até para um paulistano e carioca) e aquela protagonista merece todos os prêmios do mundo por espontaneidade e fofura.

sexta-feira, fevereiro 06, 2004

044. (04 Fev) /Vida e Nada Mais (E a Vida Continua...)/ (Zendegi va digar hich, Abbas Kiarostami, 1991 | vídeo, Cult, 91' | ****)


045. (05 Fev) /Através das Oliveiras/ (Zire darakhatan zeyton, Abbas Kiarostami, 1994 | vídeo, PlayArte, 103' | ***)


- Observação ligeira sobre Onde Fica a Casa do Meu Amigo?

Simpático, ocasionalmente belo, a fonte em que O Balão Branco e Filhos do Paraíso beberam (a eterna curiosidade infantil, o coração de ouro das crianças, seu mundo próprio desprovido de preocupações quaisquer que não incluam seu objetivo primordial [sapatos, peixinhos dourados, cadernos]), com observações sobre o rigor na educação, a incomunicabilidade da urgência infantil (no caso, devolver o caderno ao seu amigo devido a um ultimato dado pelo professor ao colega = imediatismo = companheirismo) no cotidiano prosaico dos pais etc. O monólogo interminável do avô do menino foi colocado ali somente para potencializar o entendimento mútuo entre velhinho e protagonista - mesmo assim me incomodou = tom muito didático, contraponto forçado. Cena memorável: na trajetória marcada por conflitos geracionais (o ritmo do andar; o medo do latido dos cães & a segurança proporcionada) o ferreiro mostra a casa do amigo que ele procura, só que o garoto já esteve lá e descobriu, anteriormente, que seu proprietário tem sobrenome homônimo com o da família que ele busca - então, a fim de chegar logo em casa (afinal, o pretexto para sua saída foi comprar um simples pão) ou simplesmente para não continuar incomodando o senhor (afinal ele foi o único ser verdadeiramente prestativo que cruzou o caminho do menino, que já estaria grato somente pela atenção recebida que fôra sempre o negada) ele esconde o caderno e finge que o entregou. A flor no caderno na cena conclusiva indica que o valor do trajeto é mais importante que o do destino, a persistência é inata do ponto de partida ao de chegada. Interessante, sensível, modesto.



quinta-feira, fevereiro 05, 2004

Bem, depois de difamar o petardo de Sofia Coppola (e já encontrei mais um parceiro no crime) o esquema aqui vai continuar tocando da mesma forma. Vocês devem estar se perguntando se minha mente ainda está sã. Assistindo todos os Kiarostami possíveis (só falta o ultra-mega-super-badalado O Vento nos Levará, que alguns dizem ser um pé no saco, apesar de visualmente estarrecedor etc. Veremos - e Dez que está há semanas no "em breve" na programação do grupo Estação, de qualquer forma não vou ver mesmo, filme iraniano só chega em Niterói seis meses depois do lançamento "comercial" no cinema altê da UFF) e outros do país (ainda quero ver Salve o Cinema, A Maçã, O Espelho, Gabbeh e O Silêncio) e planejando uma rápida excursão, curiosamente em duplas, em outros cantos:

Vive L'Amour & O Rio de Tsai Ming-liang (risco de derrame se vistos no mesmo dia sem intervalos)
L'Atalante & Zero de Conduta de Jean Vigo
Vozes Distantes & O Fim de um Longo Dia de Terrence Davies
Um Cão Andaluz & L'Age D'or de Luis Buñuel
Vampyr & rever o supremo A Paixão de Joana D'Arc de Carl T. Dreyer

...e a tripla: Terra & A Mãe & Eu Sou Cuba! - o cinema soviético

e tentar assistir a: A Viúva Alegre, Napoleão, Maborosi - Luz da Ilusão, Zona de Conflito, Underground, A Grande Ilusão, O Boulevard do Crime, Teorema etc. Mas os de cima vejo, se Deus quiser, nesse mês.

Os comentários são muito problemáticos. O tempo que tenho livre é dividido entre escrita (basicamente esse blog, o cinfomemo [editado com fotos lindas de Embriagado de Amor] e editando o que assisto no novo indexguialves), leitura (estou tentando começar L.A. - Cidade Proibida, mas não me conecto muito com narrativas policiais & li trechos de Temporada de Caça, de Russel Banks [dele já li o magnífico O Doce Amanhã, adaptado com poder por Atom Egoyan] - muito bom, ácido, ágil, desesperadamente solitário - acho que fico com Caça mesmo) e, bem, ficar diante da minha TV vendo filmes. Eu tenho muita facilidade para escrever mas pouca organização; quem lê isso aqui sabe que a coerência de uma linha para outra é feita aos trancos e barrancos e é justamente por isso que eu, dificilmente, divido em parágrafos (a de Close-up foi minha primeira e possivelmente última tentativa - mesmo escrevendo rapidamente [anotei meia folha de observações inclusive os dois trechos significativos que destaquei]). Olhem o bolo que ficou a de Encontros e Desencontros... Mas não sei se isso é propriamente um defeito (e nem estou me valorizando aqui, aliás) já que considero o despojamento, inato a uma boa crítica. Vou dar um exemplo: não consigo chegar ao último parágrafo de nada que Pablo Villaça escreve, o didatismo dele é impressionante (-mente insuportável) e parece que está sempre preso a uma mesma fórmula, com mesma piadinha (nos filmes com *) e elogios idênticos (nos filmes *****). Nada contra críticas metidas à engraçadinhas até porque acho que revelam muito mais que o formalismo blasè (o melhor nisso é provavelmente Mike D'Angelo, que ganhou um link ao lado merecidamente) e seria um tanto hipócrita de minha parte mostrar insegurança quanto a, já que são muito freqüentes quando não me interesso por um filme (fica mais difícil brincar com algo que você admira, há o ímpeto de se querer passar uma imagem limpa, reacionária e sem exageros, algo que atraia quem não viu e também, como, COMO fazer graça com Kiarostami & Cia.? Ahn... "os iranianos ao invés de falarem, grunhem" e desce, desce).

Bem, nessa semana espero ver os Ming-liang, Davies, Buñuel e Vigo e comentá-los bem de leve. Acho que o valor do que cada um escreve agora só será realmente mensurável em anos ("não acredito que escrevi isso!", "que argumentos foram esses?" etc. - eu tenho vários artigos irreconhecíveis de um ano e meio atrás). É tão bom quando se vê um foto antiga dos seus hábitos infantis (eu, durante algumas semanas, montei um escritório de papelão na sala de estar do meu apartamento, com mesa azul, tinta guache (era água entornada, pano sujo, mãe histérica, camisa manchada), uma coleção de lápis-de-cor, canetas e aqueles lápis - que pelo menos um de vocês devem conhecer - com personagens dos filmes da Disney (da Warner, Marvel também) em cima, acho que a marca era "Applause" e blocos, cadernetas, livros escolares e não consigo acreditar que tudo aquilo se perdeu e meus pais não guardaram nada... NADA. Mesmo assim, antes tarde do que nunca, aos 16 anos (idade quando o primeiro blog foi criado) comecei a matutar idéias que podem ser convertidas em outro leque ou retificadas de alguma forma mas que sabe, te ilustram bem, pelo menos na época. Se o blogger não zerar meus esforços, vai fazer por mim o que papi/mami nunca fizeram: manter um espelho de minha auto-consciência sem intermediações de terceiros (que não incluem vocês, óbvio).


xxx


Isso foi rabiscado às 2 da matina então nem venha me pedir coerência, isso aqui é de graça e se não gostou... é um país livre, ainda.

quarta-feira, fevereiro 04, 2004

043. (04 Fev) /Encontros e Desencontros/ (Lost in Translation, Sofia Coppola, 2003 | Estação Icaraí, 102' | *)

"Todos querem ser encontrados" [tagline do cartaz]. Inclusive minha pessoa: afundado na poltrona roncando suavemente.

É a unanimidade do ano. Geralmente não gosto de correntes de pensamento unilaterais, mesmo concordando que na maioria das vezes o hype não é gratuito (como Sobre Meninos e Lobos e A Viagem de Chihiro). O que a Sra. Coppola pensa que está fazendo é uma coisa, o que ela alcança, ai-ai, é outra bem (leia: BEM) diferente. Charlotte tem problemas com o marido, que "não dá atenção para ela porque trabalha demais" e não encontrou uma [insira bocejos] "motivação para a vida" & Bob tem problemas com a... esposa, que... "não dá atenção para ele porque já estão casados há 25 anos e ele passou a ser tomado como elemento superficial tanto na criação dos filhos como na vida da cônjuge" e também parece um morto-vivo, com ânsia pela iluminação espiritual e pelo desejo pulsante de descobrir qual é a tonalidade da cor borgonha etc. Nada contra a visão dos japoneses como seres bem-intencionados, freqüentemente irritantes, engraçados - não vejo preconceito nenhum, já que ela é uma reação natural ao sintoma conexão-desconexão (entenda isso como a sintonia do ser com suas referências...) Mas a Sra. Coppola usa esse ponto de vista sem um filtro (elas podem ser inteligentes mas se não fosse a deliciosa expressão de constante espanto/surpresa/desespero/pânico de Murray seriam terrivelmente sem-graças) já que tudo é pretexto: entrevistadores afetados, professores de ginástica, "guarda-costas", até em um hospital, o filme quer que nos fazer gargalhar porque um médico se comunica com Scarlett em japonês e ela não entende & do outro lado, Murray "brinca" com um senhor tentando adivinhar o que ele grunhe e tome goela abaixo... Isso talvez não se constituísse em um grande (leia: GRANDE) problema se o objetivo da produção fosse radiografar diferenças culturais e a influência da familiaridade lingüística na localização "psicológica" do indivíduo. Não é. A meditação que Sofia Coppola quer que façamos é a respeito da ligação entre Bob & Charlotte e de que maneira essa química os integra ao ambiente multi-colorido, dantesco e simplesmente ensurdecedor japonês. O tempo para o desenvolvimento da relação ("que não é amor mas também não é amizade" = como se essa fluidez trouxesse uma bem-vinda ambigüidade a um filme desprovido de qualquer [leia: QUALQUER] novidade [adendo: confira os três primeiros comentários na caixa ao final]) é ultra-cronometrado (os japas fofinhos endossam!) e as poucas cenas se resumem a "você ainda tem esperança", busque ser o que você... crash kabum ploft bang... é (!!! & here we go),
"quanto mais seguros de nós mesmos, menos susceptíveis somos à interferências externas", "acredito em você", "you can dance!" - nada revelador, nada íntimo, nada pessoal, nada "humano". Não conhecemos muito o background de cada um (o que não é exatamente uma falha, já que isso concentraria todos os esforços do filme em construir uma identidade pessoal que refletisse o real, livre da memória = maior conexão com o outro) e isso é o que poderia salvar o filme do apatismo irritante [adendo: confira os três primeiros comentários na caixa ao final]. Já que não houve envolvimento, por minha parte, com os protagonistas (exceto com as olheiras de Murray e os lábios doces de Johansson - esses últimos, num conjunto maravilhoso, a-ham), suas memórias e vontades também caíram por terra. Com isso, só o que sobrou foram os japoneses e o retrato vibrante da fascinante Tóquio. Vou tentar resumir: ao invés de enfatizar a interação da dupla & suas respectivas bagagens emocionais, colocando o ambiente (pós-desconforto inicial) em segundo plano, E&D faz justamente o contrário: externaliza o que deveria ser interno, sussurrado (aliás, a cena final é a única em que isso é levado em conta - pelo menos uma, vejam vocês...), secreto; dando importância demasiada ao ambiente que os rodeia e não quem os cerca. Isso tira do filme toda a intensidade almejada e faz com que ele afunde igual a uma bigorna em suas pretensões pop existenciais.

* A estrelinha solitária está lá porque, verdade seja dita, não há manipulação, é tudo muito honesto, clean que só. Talvez mais (leia: MAIS) do que devia. Sofia, inclua no seu vocabulário o termo "ambivalência" por favor.

Obs. 1: eu sei que a parte final do que escrevi contradiz tudo o que tenho dito sobre o filme (que assisti no Festival do RioBr no ano passado - gostei [pessoas mudam de opinião, sabia?]). Nos comentários, tenho escrito que o ambiente neon e luminoso de Tóquio se contapunha com a busca pela calma e reflexão interior de Bob & Charlotte. Em parte isso ainda continua valendo. O trabalho de Sofia Coppola no deslocamento espacial (em relação à cidade) e sentimental (eles próprios) dos personagens merece ser reconhecido, mas a importância exagerada que ela confere aos habitantes e à localidade é um grande empecilho para a nossa (ok, fã, MINHA) ligação como os mesmos.

Obs. 2: E olha que nem falei da péssima presença em cena de Anna The Ultimate Material Girl Faris, mas até que a cena da coletiva de imprensa foi divertida, especialmente no que ela e Keanu Reeves tinham em comum (uma casa em L.A., três cachorros...).

042. (03 Fev) Vida e Nada Mais (E a Vida Continua...) (Zendegi va digar hich, Abbas Kiarostami, 1991 | vídeo, Cult, 91' | ****)

Dois filmes que quase transfromam a esperança em algo palpável são Promessas de um Novo Mundo e esse aqui. Lembrei-me de Ozu enquanto o via porque há mesmo com uma confusão de sensações (pós-terremoto devastador), a vida é uma só e a transição é necessária. Durante 91 minutos, Kiarostami nos diz para "deixar viver, deixar passar, a vida anda por si mesma". Ele está 100% certo. Do tipo de cinema glorioso e nobre. O melhor.



terça-feira, fevereiro 03, 2004

038. (01 Fev) /Um Instante de Inocência/ (Nun va Goldoon, Mohsen Makhmalbaf, 1996 | vídeo, Cult, 78' | ****)

Eu adoro Um Instante de Inocência porque ele condensa o papo de "acontecimentos que mudaram nossa vida há décadas" em algo significativo para as novas gerações também (no caso, os atores amadores). Fala com incrível segurança sobre pontos de vista distintos, interpretações variadas (achei Inocência muito mais estimulante que Rashomon) e como lidar com a verdade no tempo presente. Também utiliza do cinema para reconstruir vidas e ações de outrora, em uma restituição do mundo como era (uma espécie de evasão no passado para compreender a contemporaneidade). Vou colocar de forma simples: o freeze frame final é a mais bela cena conclusiva de um filme (já que mais que um mero espelho do passado, as decisões atuais são levadas em consideração, há mais uma chance [e no caso, o pão & o vaso simbolizam a concretização do amor dos envolvidos - é uma declaração tão fascinante que só de escrevê-la, meus olhos ficam marejados]). Após a revisão, o idealismo presente no filme (que contrapõe jovens do passado [envolvidos na ditadura do Xá] vs. hoje) ficou mais sereno (mesmo quando o garoto se desata a chorar prestes a esfaquear o policial, a dimensão pacifista do conjunto fica mais sincera) mas o jogo making-of/ficção/realidade perdeu uma parte do encantamento, o "fator surpresa" desapareceu (inclusive com a revelação das intenções da garota). Mas considere-o como um grande, maravilhoso, sensível filme.


039. (01 Fev) Hana-bi (Takeshi Kitano, 1997 | vídeo, Cult, 103' | **)


040. (02 Fev) /Hana-bi/ (Takeshi Kitano, 1997 | vídeo, Cult, 103' | **)

Inegavelmente belo, trilha maravilhosa, composições, fotografia, transições incríveis (usando pinturas do diretor) etc. Pena que os momentos de introspecção/melancolia não se evadem para as cenas (em termos) violentas e vice-versa. É no estilo "bate-assopra", como se cada cena brutal fosse uma desculpa para o sentimentalismo de outras e vice-versa. Resumindo: não se separem! Se unam! Mesmo assim, achei fascinante suas observações sobre inércia, estaticidade, deslocamento (parece que, violentas ou não, todas elas são frias, distantes) e o contraponto entre o parceiro imobilizado física e emocionalmente e o protagonista, imóvel devido aos problemas pessoais (principalmente: morte da filha e esposa muito doente); o relacionamento de Kitano com sua mulher acentua a solidão do filme (e isso está longe de ser um defeito), assim como a trilha, silêncios e a cara-inexpressiva do protagonista. Algumas cenas maravilhosas: a máquina fotográfica, a trapaça no jogo de cartas, os fogos de artifício, o interior do hospital - vazio, monocromático -, a floricultura e o estímulo para a pintura, a ligação entre os quadros do detetive paraplégico e Kitano, a transição após matar o último dos membros da Máfia com o tiro sendo cortado para um borrão de tinta vermelha em uma pintura, o uso das sombras [a câmera focaliza no chão a sombra de dois homens brigando e continua na mesma posição até que um deles cai] etc.). Mas muitos são os i's sem pingos: o relacionamento do detetive e a viúva fica à deriva; a Máfia japonesa é altamente dispensável, o assalto ao banco idem, assim como alguns flashbacks desnecessários (especialmente os localizados no ferro-velho). A cena final apresenta a metáfora mais antiga e ultrapassada para falar da transitoriedade da vida: as ondas do mar = vai & vem constante. Óbvio, e Hana-bi, apesar de longe da perfeição, é tudo menos isso.

Obs: acredito que esse filme "cresce" após sucessivas revisões.


041. (02 Fev) Onde Fica a Casa do Meu Amigo? (Khane-ye doust kodjast?, Abbas Kiarostami, 1987 | vídeo, Cult, 83' | **)

Vou comentá-lo após assistir à Vida e Nada Mais (E a Vida Continua...) e rever Através das Oliveiras, que fazem parte da "trilogia do terremoto" (não sei se é dessa forma que ela é conhecida por aqui). Mas devo confessar que esse primeiro filme não "abalou sismicamente" meu coração. :)




segunda-feira, fevereiro 02, 2004

Mulheres Diabólicas & Close-up comentados.

A Realidade Ficcional e a Ficção do Real: Close-up, um filme de Abbas Kiarostami.

por Guilherme Alves

Trecho 1 Kiarostami: Nós queremos fazer um filme sobre o processo. Temos o seu consentimento?
Sabzian: Sim.
Kiarostami: Não se opõe?
Sabzian: Não. Vocês são meu público.
Kiarostami: O quê?
Sabzian: Vocês são meu público.
Kiarostami: Quem é seu público?
Sabzian: Vocês.
Kiarostami: Por que diz isso?
Sabzian: Por causa do meu interesse...
Kiarostami: Em quê?
Sabzian: Na atividade artística... cinema.

***

Trecho 2 "...E quando eu estou deprimido ou dominado pelos problemas, sinto uma grande necessidade de proclamar a angústia de minha alma, as tristes experiências da vida sobre as quais ninguém quer ouvir. E então, eu encontrei um homem bom [nota: referência ao diretor Mohsen Makhmalbaf]. E ele mostrou todo o meu sofrimento em seus filmes e me fez querer assistir a esses filmes mais e mais vezes. [...] Ele fala a respeito de coisas das quais eu teria gostado de falar. Ele expõe o meu pensamento. É por isso que é um consolo para mim." (Hossain Sabzian)

***

Close-up nos revela um indivíduo sendo julgado e tentando desfazer a impressão de trapaceiro associada a sua pessoa após personificar, perante uma família, o diretor iraniano Mohsen Makhmalbaf. O diretor do filme, Abbas Kiarostami, tenta compreender aquele ser não só sociologicamente (mesmo focalizando, aqui e ali, sua vida pessoal conturbada, juventude pobre etc.) mas também sob as lentes humanistas, cinematográficas. Talvez a situação narrada já mostre a devoção que Sabzian nutre quanto ao cinema, a arte da representação (com os dois pontos de vista: atuação e direção - ele "atua" como um diretor), da fantasia, da ficção real e da realidade ficcional. Ele se faz passar pelo diretor porque somente assim suas idéias são levadas em consideração, ganhando o status que almeja. A partir do momento em que ele interage com a família, vítima do "golpe", os ouvidos de todos se abrem para o mesmo, sua forma de pensar é vista (cinematograficamente) com olhos receptivos, amigáveis. Sua noção do dirigir um filme foi aprendida em livros de bolso e idas ao cinema, para assistir muitas vezes ao mesmo filme (ele cita O Ciclista, de Makhmalbaf, como "sua vida"). Os produções iranianas contemplam a figura humana em sua plenitude, desejos e anseios. Sabzian vê a representação de sua pessoa na tela e portanto quer aprender o ofício como forma de visualizar o domínio completo de sua alma. É, basicamente, um uso terapêutico da Sétima Arte. O interesse daquela rica família iraniana pelas suas divagações a respeito de filmar dentro da residência deles (inclusive pedindo para que árvores fossem cortadas, a fim de obter - pelo ângulo escolhido por ele - uma tomada da fachada da casa) e de seu amor pelo cinema, contato freqüente com a natureza, idéias para a produção (uma carteira perdida seria o início de uma amizade entre dois desconhecidos, assim como um peixinho dourado em O Balão Branco de Panahi) o fazia sentir-se participante do mundo, ele teria chances de se engajar com a sua história de privações a partir do financiamento do filme proposto pela família.

Kiarostami filma o julgamento de Sabzian como se o réu estivesse confessando que suas atitudes foram de encontro à lei mas que também justificasse que a lei que seguiu foi a sua, pessoal. Segundo Sabzian, não há como compreender suas atitudes sem que o ouvinte tenha uma bagagem intelectual/cinematográfica como a dele. A paixão pela sala escura "enobrece" seus atos a medida em que não possibilita uma penetração moral de quem não se identifica com filmes [ver trecho 1]. O embate entre os campos da comunidade (que o consideram um impostor, vigarista com segundas intenções - representado pela câmera que filma a audiência por completo) e o individual (Kiarostami e seu interesse pelo caso de Sabzian - representado pela câmera com a lente close-up) tomam lugar no tribunal. A inserção de dramas pessoais no contraponto ao ato que lesou a família ilumina o filme e, sua investigação na negação do aceitar o que foi imposto, ganha contornos surpreendentes. Não existe nenhum recurso manipulativo por parte de Kiarostami, até mesmo o uso recorrente do close-up fornece subsídios para que observemos a vertente humanista do ocorrido.

***

Logo nas primeiras cenas do filme observamos um jornalista e dois policiais em um táxi. Esse jornalista está se dirigindo à casa da família lesada para registrar com fotos a prisão de Sabzian. A perspectiva de Sabzian em relação à chegada deles ao local é apresentada como um dos entre-cortes da seqüência do julgamento (assim como o é o encontro entre ele e a matriarca no ônibus). Close-up apresenta uma narrativa não-linear decorrente da necessidade que o filme apresenta de observar os dois lados dos fatos (por exemplo: na cena da prisão, o jornalista disseca sobre o que levaria um homem a fazer isso e logo pensa no furto como alternativa plausível, enquanto isso, o impostor sente que a descoberta será iminente mas não consegue se ver livre do fascínio proporcionado pela convivência com a família, por isso volta à casa deles, mesmo sob risco imediato) sem pesar a balança para nenhum deles. No início do julgamento, ficamos ressabiados quanto às intenções do falso Makhmalbaf, assim como o núcleo familiar, ávido por descobrir o motivo da falcatrua. Evidências, confirmações e reticências, evidenciam que não há somente uma pessoas ali capaz de se defender das acusações mas sim, criar toda uma atmosfera do seu cotidiano sofrido e tentar encaixá-la em seu discurso. Os membros familiares vão cada vez mais percebendo que a porção traiçoeira aplicada a ele é apenas uma de outras tantas. E que essa dualidade compreende qualquer ser, digno de perdão, portanto.

É interessante notar que as cenas passadas no tribunal são (provavelmente, o filme não esclarece nada) verdadeiras, com estética documental envolvida (assim como o encontro final e ver trecho 1); e que as seqüências da prisão de Sabzian (as duas visões), o encontro no ônibus ou qualquer uma entre o impostor e a família, são ficcionais, recriações do real. Sua simulação é retratada pela subjetividade da encenação, não há uma verdade concreta sobre o que aconteceu; já, a parte documental do filme é a que disseca realmente o ser e o interroga. Kiarostami pega nossas referências e as transforma em termos didáticos e inúteis. A ficção se mistura com a realidade e o real se difunde na ficção (a reconstrução do caso verídico a partir de informações e depoimentos pessoais, ou seja, ótica subjetiva na criação da verdade - ou melhor, parte dela) e os minutos finais exemplificam isso muito bem.

O encontro final entre Sabzian e Makhmalbaf é algo tão adorável e forte que fazer um paralelo com o de Bogart & Bergman no clássico Casablanca não seria despropositado. Se eu estivesse nas filmagens da cena da florista reconhecendo seu bem-feitor em Luzes da Cidade ou passeasse pela estrada que corta os campos de grãos de História Real, ficaria submerso em uma realidade paralela, nunca vivenciada por mim mas de alguma forma já existente na minha essência. Sabzian não tem palavras para ofertar ao seu ídolo. Ali está a materialização dele próprio; suas experiências de vida e tristezas são compartilhadas com aquele homem que ele nunca viu na vida mas que sabe expressar, até com mais veemência que o mesmo, suas necessidades e aspirações [ver trecho 2]. O freeze frame final induz uma idéia de "estaticidade positiva", o recurso coroa a benevolência e a capacidade do homem de se reinventar com seus recursos a fim de atingir suas metas. A recepção do sorriso e perdão pelo patriarca o envolve com um vigor único de satisfação e auto-estima renovada. Anteriormente, em um dos flashbacks, Sabzian convence a família a assistir O Ciclista com ele, o "diretor" do filme - o seu motivo, expresso durante um questionamento do juiz, é: "Eu queria que eles aprendessem a apreciar o cinema".

***

Quando Kiarostami tenta persuadir o juiz para que o deixe filmar a audiência de Sabzian, ele replica: "Esse caso não tem nada de interessante o bastante para um filme." Está aí, o diálogo mais ingênuo e essencialmente errado de todos os tempos.