segunda-feira, junho 07, 2004

OSAMA | 24

Basicamente um filme padronizado em impressão gráfica com a mesma estrutura semântica dita revelatória - diria que a imprensa, ávida pela situação conturbada do Oriente Médio, é uma platéia em potencial - e idêntico corpo organizacional ao de um documento-histórico-engajado que se esquiva apavorado diante da radicalização de seu próprio tema. E ainda não chegamos exatamente ao fundo do poço: já que Osama veio ao mundo após a queda do Taliban e o filme se passa, obviamente, nesse regime, a falta de implicações políticas é inaceitável. O diretor Barmark não optou por se debruçar diante do Antes & Depois (em caso afirmativo, mostraria provavelmente como as velozes transformações políticas dessa dissolução não foram acompanhadas por cicatrizações iminentes das ramificações do 'pavor instalado' no Afeganistão; as bombas americanas conseguiram apagar o passado? Trilhar o presente?), a via escolhida é mais complexa e instigante e, portanto, a decepção é monumental diante de qualquer passo em falso. Pena que ele fez um cooper matinal na direção errada. A partir do momento em que o seu olhar está condicionado externamente ao interno (ou seja, ele avalia a partir de novos dados - o 'depois' -, os antigos - o 'antes') era de se esperar algum fio que costurasse as passagens do presente vivido à expectativa de um futuro e - aí (deveria) entra(r) a mão do diretor - dessa expectativa ao 'futuro real' capitalizado pelo mestre-de-obras; o filme deveria supostamente demarcar criticamente a fronteira entre a idealização e o desencanto, derivadas das perspectivas da população afegã em relação ao futuro político-social e mostrar que ambos são conceitos relativos e dependem do ponto de vista cujo diretor tem pleno domínio (entenda: a idealização quer estabelecer o bem-estar comum, assim como o desencanto, o que os diferencia é o sentimento momentâneo do quão insustentável é a situação e quais são as possibilidades de melhora para esses diversos pontos de vista, conflitantes e complementares). Algumas 'pistas' da insatisfação dos afegãos com o Taliban são dadas alaetoriamente (convenhamos, é o que não falta) e a impressão que tive era de um registro meramente documental/conceitual, que parece ter sido feito durante o regime e não, depois - o que é particularmente grave ao constatar que Osama é o carro-chefe do 'novo cinema afegão'. O que temos a partir daí é a incapacidade de Barmark em deixar uma marca pessoal no projeto, a qual poderia ser uma espécie de redenção levemente insuspeita apenas com o seu olhar carinhoso de que 'tudo dará certo; se ainda não, é porque estamos no caminho' incidindo naquela galeria sofrida. Mas não, temos aqui a velha Festa da Vitimização sublinhando com tinta vermelho-sangue-batido todos os rituais pelos quais nossa heroína atravessa em busca do pão de cada dia. Tudo da maneira mais manipulativa possível-imaginável, a menina só quer a subsistência da família e não salvar-o-mundo-de-cruéis-terroristas-barbudos e ainda assim, sofre muito (ex: sua mãe diz que tem vergonha de tê-la como filha etc., e o público fica abismado: "Mas ela está sustentando você, sua desnaturada!"). Cada um desses rituais (banho, marcante nesse sentido) apenas apregoam a mais triste constatação que se pode fazer a uma obra que se propõe a tal tarefa: "aaaaaah, então é iiiiiisso que acontece às escuras? Meu Deus, a) "que filme corajoso" pensam os de QI < 90; b) "que filme covarde" pensam os de QI > 90. Seria essa a porção revelatória de Osama? Contraditório, porque a câmera se afasta no momento da execução do jornalista americano e da consumação do casamento da protagonista. Que verdade nua e crua é essa, quando são alternados momentos da jovem presa com a mesma pulando corda alegremente? Ou quando descobrimos que o jornalista sentenciado é o mesmo dos minutos iniciais com a ajuda prolífica de uma flashback? Está aí a marca do diretor: a crueza e verosimilhança da História somente se fazem valer com a dinâmica do mexer os pauzinhos na 'sensibilidade estética', pena que ele não é natural do Japão. A comida está no prato, mas não na boca, então, o que sobra para ser digerido?

Obs: o trecho "mas não na boca" indica uma falha de contato dele-comigo e não um desejo meu de que o diretor me dê o material mastigado e de bandeja. Longe disso.

Eu não gostei desse meu comentário, na verdade, achei muito fraco, mas enfim, vocês têm o direito de me ver em apuros uma vez na vida... outra na morte.

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