sábado, junho 05, 2004

ALGUÉM TEM QUE CEDER (70): Quase um tour de force (sendo 'quase' por opção, justificada pelas truncagens sitcômicas nas quais a parcela reveladora eclipsa com vigor o potencialmente perigoso 'atravancamento' da naturalidade no trato dos personagens - fase: Grandes Mudanças -, como fortuitos quebra-molas e pardais indiscretos em uma rodovia) pelas tentativas frustradas de reconciliação de Keaton com sua jovialidade e de Nicholson com seu ritmo, tempo = dinâmica, lógica interna; 'frustradas' pelo fato do Cálice Sagrado de um se localizar exatamente dentro do Baú no Fim do Túnel do outro e justamente aí reside o coeficiente da memorabilidade do filme: o desafio primordial é acertar os ponteiros de horas e minutos de ambos - resultando em um eficiente intercâmbio de mão-dupla (agora, caso o fluxo de sentimentos genuínos de uma seja maior que na outra, temos um descompasso que será brevemente - exatamente 128 minutos - depositado nessa relação de uma forma inicialmente perturbadora mas finalmente, harmônica = isso basicamente atenua as cenas tipicamente 'rezando-pela-cartilha-Amém.', como as recaídas de Nicholson pós-sexo com Keaton, com olhar mirando qualquer rabo de saia de passagem; até porque o desabafo dela na porta do restaurante é algo assombrosamente tocante/verdadeiro e sublinha com exatidão o dilema do "eu amei mais, eu me entreguei mais; não consigo controlar minha vida atual") -, para enfim, checar se o fuso está certo, se o Horário de Verão está ou não em voga etc., situações determinadas por fatores incontroláveis e recorrentes. Os conflitos são muito bem gerenciados e uma certa desordem é aplicada aos mesmos, o que tende a nos aproximar dos dois já que sabemos qual deve ser a seqüência de pequenos fracassos individuais/coletivos a ser seguida/superada (e isso é positivo: é aproximadamente uma atitude voyeur trazendo benefícios terapêuticos, é como manter os protagonistas livres para oferecer a mão à palmatória, sendo que já passamos por esse ritual/castigo diversas vezes, apenas para aprender com os erros etc.); apesar dessa previsibilidade bem inserida, os rompantes soam sempre orgânicos e naturais (o cho-rô-rô, acho sintomática minha vontade de chorar mais intensa que a de rir), provavelmente porque Meyers abraça de maneira tão apertada essa galeria ao mesmo tempo que dosa os níveis de exposição de cada um deles à felicidade de pertencer a alguém e tristeza de... pertencer a alguém. Alguns promotores acusam o filme de categorizar os relacionamentos amorosos por idade, mas não, NÃO e NÃO. Creio que o único argumento favorável que esse reles-mortal-futuro advogado pode usar é: a consciência de que as afinidades eletivas podem ser traçadas com lápis esvai para uma lógica mais consistente, a de que elas são demarcadas com caneta, sem corretivo ao lado; tive a impressão de ver personagens lidando pela primeira vez com algo inexorável justamente porque eles querem que assim o seja (Keaton quer sorrir e controlar minimamente as rédeas da nova vida que se anuncia; Nicholson, sossegar o facho; Peet, uma família constituída; Reeves, conexão independente de alhos e bugalhos), com a sensação de que algo será eterno enquanto durar. Basta ver: Pett e Reeves não 'terminam juntos' e a belíssima cena da festa do pijama interrompida pela toda-vida-pela-frente Peet, que faz, instantaneamente, Keaton relembrar que tem metade-de-toda-vida-pela-frente, esvaziando todo o gás que preenchia seu desejo de emancipação do casulo ao invés de estourar de vez a boca do balão e constatar que o 'agora ou nunca' tem data marcada para encerrar suas atividades redentoras. ATQC termina quando tudo começa (a banca aceitou suas apostas, resta saber se o dado está viciado a seu favor: as tentativas de dissoluções desembocam ou em um estreitamento de laços ou em separação iminente; as trocas se intensificam e as resignações idem etc.) - e isso é tão bom.


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