quinta-feira, janeiro 22, 2004

Editado: comentários para todos os 5 filmes abaixo. Comentem!

020. (21 Jan) Parenthood (Ron Howard, 1989 | vídeo, Videoteca Fragata Liberal, 124' | *** ½)

O que é ser pai? Como não meter os pés pelas mãos? Como ser companheiro dos filhos nos momentos em que você não quer nem ver o rastro deles? Como reagir quando a diretora da escola do seu garoto recomenda que ele vá a um terapeuta? Como abordá-los na suspeita de problemas variados? Como separar o amor para com eles de proteção excessiva? Pois é, Parenthood ilustra, responde, ilumina o "tentar acertar". Saiu no Brasil, inexplicavelmente, como O Tiro que Não Saiu Pela Culatra que desvirtua o sentido do original, algo como Ser Pai (eu digo pai porque o lado masculino da maternidade é muito mais desenvolvido pelo filme que o feminino – e isso foi uma decisão acertada). Não imagino um elenco mais afinado, situações mais plausíveis e uma maior dose de doçura, humanismo e simplicidade (os minutos finais são magistrais). Adorável pequeno filme. Você queria mas não está sonhando... Um grande filme com Ron Howard no comando! Pronto, agora vá correndo dizer para seus amigos que milagres podem acontecer.


021. (21 Jan) /Exótica/ (Exotica, Atom Egoyan, 1994 | vídeo, Videoteca Fragata Liberal, 100' | **)

Achei difícil me conectar com esse filme, mesmo pela segunda vez - isso explica a cotação relativamente baixa. Comparações com O Doce Amanhã podem ser feitas a medida que Exótica examina a dor pós tragédia, seu impacto nas ações cotidianas, a tentativa de isolamento emocional etc. Mas diferentemente de Doce, em Exótica uma fantasia é criada; é um subterfúgio para evitar o confronto direto com o que o atormenta, mas o protagonista tem conhecimento da farsa e até reconhece que ela, vista por olhos de terceiros (como a babá) pode parecer estranha. O filme aborda o toque, como gesto metafísico de resgate do passado (em flashback, outros dois personagens - envolvidos diretamente nos acontecimentos - encontram o corpo da filha do protagonista) e aprendizado com conseqüente superação do trauma. Uma das virtudes do filme está no contraste entre o trauma e as ações desencadeadas por ele (que é logicamente justificado) e a "visão de fora", que pode erroneamente traduzir tudo em uma perversão sexual doentia (que foi minha primeira visão sobre o que diabos estava acontecendo na primeira vez que o vi - até que as peças vão sendo homeopaticamente dadas). Exótica tem um clima perturbador justamente por sua estrutura, elíptica ao extremo, com poucos insights. O modo frio como é construído, sempre deixando vácuos a serem preenchidos funciona muito bem; a sensação de desorientação no espaço-tempo, a metáfora do espelho-duplo, o vago e nebuloso se misturam e realçam os personagens e seus conflitos etc. Mas também acho que o filme é muito vago e não entendi a função daqueles personagens que orbitam entorno do protagonista (qual é a relação da dona do estabelecimento com o apresentador das meninas? E o introspectivo contrabandista?). Realmente, Exótica tem um mistério que pede sempre uma nova revisão, mas está muito longe de representar a devastação psicológica como O Doce Amanhã o fez.


022. (22 Jan) /As Patricinhas de Bervely Hills/ (Clueless, Amy Heckerling, 1995 | vídeo, CIC, 96' | *** ½)

Sátira maravilhosa, doce, com perfeito timing cômico de Alicia Silverstone. É tão honesta a visão do adolescente tentando se fazer notar naquele ambiente sufocante de L.A., impondo sua marca pessoal com segundas intenções e tentando se estabelecer como parâmetro para semelhantes. Melhor que isso é o misto de inocência (do despreparo para lidar com o caótico cotidiano) e desprezo (a transformação da protagonista segundo suas próprias necessidades e não através de um "exame de consciência"). O humor do filme é inteligentíssimo (tem uma conversa que mistura erva [droga] com erva [chá] & coca[-cola] com coca[ína]) e sempre leve; nós não rimos dos personagens e sua alienação (vide os debates em classe) ou expectativas idealistas improváveis, mas rimos com eles porque são tão divertidos, verdadeiros e espelham algo tão intensamente universal. São pessoas que querem acertar assim como nós. Assistam novamente ao filme e observem que mesmo retratando a superficialidade das relações humanas, o resultado não poderia ser mais estimulante.


023. (22 Jan) Rashômon (Akira Kurosawa, 1950 | vídeo, Tocantins, 88' | *)

Veja comentário de número 025.


024. (23 Jan) /Corra Lola, Corra/ (Lola rennt, Tom Tykwer, 1998 | vídeo, Columbia, 81' | **)

Alguém se importa com esse comercial de tinta vermelha para cabelos? Ok, inócuo, não explora a ambivalência da relação amorosa dos protagonistas e blah-blah; mas também é esteticamente agradável, apresenta com energia o mito do amor louco, desesperado, em fuga de obstáculos etc. Mas vejam só, esse filme levantou um questionamento ainda pendente: será que Lola me deu dor de cabeça ou prazer? Neosaldina ou orgasmo? Va savoir...


025. (23 Jan) /Rashômon/ (Akira Kurosawa, 1950 | vídeo, Tocantins, 88' | * ½ [cotação original = *])

Se Rashômon não fosse tão lento, chato, desinteressante (eu nem acreditei, por isso revi - resultado: melhor aprofundamento do assunto abordado mas impressionantemente longo) e tivesse o final cortado, reconhecedor da bondade alheia, há-esperança-no-mundo-afinal, etc.; seria uma obra-prima memorável. A partir de agora só vou falar dos aspectos positivos do filme, que mesmo presentes, me deixou indiferente, nada comovido, exausto... Vamos lá. Perspectivas em xeque, a ambivalência da verdade, a universalidade da manipulação de situações para bem-estar próprio, são assuntos que o filme aborda. Somos ouvintes (e julgadores - observe que Kurosawa nos dá essa posição de "centralizadores da Moral" com a posição da câmera durante o depoimento dos envolvidos) de quatro versões para uma mesma história. Todos os narradores parecem distorcer os acontecimentos de modo a endossar a benevolência (o "tinha-que-ser-assim-mesmo-contra-a-minha-vontade) de suas ações e lustrar o ego, conseqüentemente. A história do bandido salienta seu heroísmo medieval (até a trilha sonora é usada de forma mais "épica", ou seja, com mais vigor, insistência...) e coragem de desbravador; a versão da esposa exalta sua vulnerabilidade em contraste com o ódio, rejeição (marido) e crueldade (ladrão) dos homens; o marido traz ao jogo sua posição nobre e a manutenção de sua honra; e o lenhador desmente todas as três anteriores. Essa mudança nos pontos de vista não vida a dissolução da culpa do assassinato do marido (exceto o lenhador que não participou diretamente dos acontecimentos), eles não estão necessariamente mentindo (talvez sua visão dos fatos seja a que eles representam), essas diferentes abordagens caracterizam a persistência desses personagens em buscar a própria redenção através da dissimulação e da farsa. Todas as versões da mesma história salientam a manipulação dos acontecimentos de forma a: 1) justificar o assassinato, caso a pessoa o tenha cometido; 2) mostrar que as circunstâncias presentes eram opressivas, irreversíveis, contra a bondade natural do indivíduo em questão. O bandido menciona que a esposa permitiu o abuso sexual e o obrigou a duelar com o seu marido, em nome de sua honra ferida (e isso não mancha seu caráter); a esposa revela o olhar de repugnância lançado pelo seu marido para ela pós-acontecimentos que a levou a esfaquear o cônjuge e tentar suicídio (tornando-a vítima da crueldade masculina); o marido fala de sua decepção em relação a atitude desumana da mulher, quando o abandona e o rito do suicídio como desencanto em último grau com o mundo (preservando a honra de não ser morto em um duelo e ratificando sua pureza de sentimentos e niilismo tipicamente romântico de desilusão amorosa); o lenhador não menciona o punhal valio$o na narrativa, que ele provavelmente tomou para si. As ilusões que eles vislumbram para si ilustram a máxima do filme A Regra do Jogo: "Todos os homens têm suas razões." Rashômon coroa a capacidade de abstração humana como forma de elevação espiritual, mais ou menos minha visão sobre cinema em geral. Eu realmente queria muito gostar mais do filme, mas uma seqüência final tão condescendente como a que a produção apresenta dificulta o processo. É basicamente o pessimismo vs. a esperança, com o lenhador no centro. Ok, a moral é petista: "A esperança venceu o medo", gotcha. Talvez assistindo mais vezes eu me acostume com o ritmo do filme, irregular mas muito arguto.

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