terça-feira, janeiro 20, 2004

019. (20 Jan) /As Invasões Bárbaras/ (Les invasions barbares, Denys Arcand, 2003 | cinema Art-Uff, 99' | ** ½)

A continuação do filme O Declínio do Império Americano (de '86, dirigido pelo próprio Arcand) se realiza em duas vertentes: uma crônica da efemeridade da vida e um rito de passagem permeado por dramas familiares. O melhor de Invasões se concentra no aspecto da queda de uma geração (mostrada como patética/imperfeita no igualmente patético/imperfeito Império) a partir da morte iminente do exemplar mais fiel do grupo de amigos. Cada personagem parece ter passado por um processo de amadurecimento de lá a aqui (16 anos de passaram) e essa é a maior qualidade do filme. É fácil perceber que eles já não são os mesmos: os "ismos" que demarcam identidade pessoal falsamente revolucionária (na verdade são moralistas ao extremo, como se fossem uma tentativa [falha] de compreender as transformações do mundo e de suas vidas, dando sentido para as mesmas, trocando como quem troca de roupa de ideologias/idéias/teorias [ex.: maoísmo, leninismo, marxismo, que representam vários significantes para uma mesma idéia]) são abandonados e a visão do porquê da desilusão com o mundo é mostrada com desencanto e amargor; parte deles se refugia no comprometimento amoroso com um parceiro e querem apenas "relaxar" ao lado da família, porto-seguro diante das incertezas (ou melhor da transitoriedade) da vida. Se nesse campo, Arcand coloca os pingos nos i's de maneira mais consciente, afinal não faria sentido uma abordagem infantil, quase histérica (caso de Império) no caso. Já no campo dos relacionamentos familiares, o filme cambaleia um tanto. O filho do moribundo, que poderia render algo interessante, contrastando a seriedade de sua visão de fidelidade/trabalho com a ótica libertina do pai, se resume a "Filho, você tem computador! Você se rendeu ao sistema!", "Isso não vigorava no meu tempo" e algumas poucas intromissões na igualmente pouco intrusiva relação pai/filho (com o velhíssimo clichê: "Em que você trabalha, nunca me disse" / "Você nunca estava disposto a escutar" e tome xarope). Outro pequeno defeito (digo pequeno porque me simpatizei muito com a produção e o salto de qualidade em relação a anterior) é a filha de uma das integrantes do grupo (a relação mãe/filha é mal desenvolvida, uma tentativa de contraponto forçado à principal), drogada e estereotipada com uma visão de mundo muito mais "sadia" e "atual", despejando em cima do protagonista umas lições de sabedoria diretamente do livro O Sucesso É Ser Feliz; ah, ela também sofre, teima, lima, sua – típico. Mas é tão vibrante esse Invasões... Bem, não o que normalmente podemos chamar de "vibrante", é mais no sentido da percepção do conformismo que os aguarda, mas sem passividade nem alienação. São personagens extremamente vivos, participantes, que deixam sua marca no mundo, mesmo sem as ver em uma estátua ou emenda constitucional; eles conseguem enxergá-la em cada gesto de amizade, comunhão, sorriso, abraço, e também nas pernas de uma personagem de um filme da época expostas no mar. Enfim, a boa e velha nostalgia.

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