quinta-feira, julho 29, 2004

Au hasard Balthazar (Robert Bresson, 1966)  57

Bresson parece endereçar como vidas que seguem em direções opostas revolvem ao redor das mesmas coisas, no entanto, isso soa vagamente como um 'filme de responsabilidade', enfocando a personalidade (vulnerabilidade - talvez a palavra-chave + solidão do indivíduo) girando em volta da vida em si e necessidades decorrentes sem que nunca esse sistema entre em equilíbrio. Existe uma certa atenção quanto ao processo de aprendizado multi-geracional (vide Primavera, et al.), visto como fútil e cíclico; e principalmente, grande parte da suposta força do filme advém da necessidade de se medir a crueldade, tratada como uma resposta amarga à mistura de orgulho e privações. No entanto, o 'mundano' de Balthazar me deixou indiferente; talvez sua incisão e eficiência provenham da lógica interna conflituosa dos personagens, sempre presos em alguma regra/princípio, e mesmo agindo em dissonância com tal 'normatização' ainda resguardam muito do recalque e angústia da não-libertação; e provavelmente dessa idéia, surge a sensação desagradável de responsabilidade transviada ou insensibilidade beirando o niilismo à nostalgia ou mudança. E, bem, alguns trechos viscerais (destaque para 'Não despreze minha lágrima' ou as circunstâncias que envolvem a perda e reconquista do burro pelo bêbado) se diluem dentro de composições formalistas e gélidas (O Processo de Joana D'Arc é semelhante nesse aspecto; no entanto, estamos falando de um processo, no qual esse 'realismo dardennês' sobrepõe circunstâncias à psicologia, tornando a confiança em 'outro mundo' muito mais palpável e intensa). O tom é de parábola sobre sina e dor, as circunstâncias envolvidas movem-se em areia movediça com ares de 'mas não poderia acontecer de qualquer outra forma', a protagonista Marie encerra uma ambigüidade sublime (dissolver vínculos passados potencializa a criação - descuidada - de novos; estes incentivam um regressismo ineficaz, contra o qual ela luta através do reforço desses novos vínculos etc.) e todo o fatalismo contido nela e no burro (desse último, o título faz menção: Ao Azar Balthazar) trazem ao jogo metáforas cristãs, mas sabe, o círculo completo da vida, obra e morte do burro é tão sistemático para maior apreciação, como um compêndio rigoroso de pequenos fracassos e fraquezas individuais etc. Talvez em uma revisão suba para 90-e-tantos, mas enfim, Bresson sempre consegue respostas conflitantes da minha pessoa, pena que não no sentido que gostaria. 

 

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