quinta-feira, março 11, 2004

Kadosh - Laços Sagrados (Amos Gitai, 1999) [57]

O único motivo para ter tirado o filme da prateleira reside na exibição de outros dois do mesmo diretor Kedma e Kippur no cinema da UFF. Não me atrai muito um filme dissertando sobre a situação das mulheres oprimidas em países fundamentalistas pela obviedade do tratamento e concepção. É evidente que todos sabem da faceta cruel desse sistema ("o valor da mulher consiste no que fazemos dela", diz, a certo momento, um rabino), da quase supressão das liberdades individuais, do ortodoxismo que tenta mapear - e, consequentemente, suprimir - as emoções humanas etc. E, realmente, quando Gitai fala de casamentos aleatoriamente arranjados e do espírito transgressor da futura esposa-que-ama-outro-cara (na verdade, transgressor em relação àquela comunidade; basta observar a expressão assustada de sua irmã quando a noiva diz que perderá a virgindade com seu amado e não com o marido imposto) o nível do filme cai um pouco, já que daí, tira-se: a) descontentamento com a vida de casada, o que a faz procurar... b) o antigo namorado, a fim de... c) satisfazê-la sexualmente, o que levará à... d) desagregação do matrimônio e daí... e) parte para a busca de uma nova concepção de vida (ver créditos finais). Além disso parece que o diretor quer usar todos os meios possíveis para causar constrangimento (as núpcias da garota rebelde - brutalidade absolutamente padronizada e burocrática) e alienação as suas personagens a fim de incentivar um posterior confrontamento - ou não - com aquele ambiente desigual. Não chega a ser um grande problema, mas potencializa naquelas duas horas de filme algo que deveria sair naturalmente, diante de uma vida de reclusão e insatisfação. É contra essa corrente que segue o relacionamento do casal que não pode ter filhos; baseia-se na mútua compreensão - apesar do marido saber que após dez anos de casamento e nenhum filho na barriga, é seu direito casar-se novamente a fim de tê-los, ele ainda reluta em abandonar a esposa, enfim, muito doce - das agruras de um pelo outro (ver conversa sobre a aflição da ausência do herdeiro). Qualquer cena em que os dois aparecem são maravilhosamente humanas e oferecem intimidade não-forçada para o espectador, quase um alívio em um filme tão... (propositalmente) distante. Temos também as trivialidades de sempre, como o uso da incomunicabilidade para expressar solidão (bastante eficaz - ótimo uso do silêncio nos momentos-chave [notadamente na conversa entre irmãs, quando a caçula fala que o mundo no qual elas vivem não é o único e muito menos o melhor, e a mais velha permanece calada]) e a metáfora final (obviedade incrível): a mulher que apega-se ao marido morre; a que liberta-se dele ganha vida nova - engajamento desnecessário, bola fora etc.

***

Velvet Goldmine (Todd Haynes, 1998) [25]

Até a meia hora inicial a cotação estava na casa dos 75, com referências brilhantes à Oscar Wilde, isolamento etc. Mas Todd Haynes parece achar seus Grandes Temas (conexão e manutenção da identidade/persona/pose) Muito Profundos - e realmente o são, mas não quando a maneira de os apresentar é tão nula como o caso. Na verdade é sobre isso mesmo: jornadas interiores (personagem de Bale, buscando a - gasp - essência passada, o espírito anti-terno-e-gravata) e metamorfoses ambulantes (o protagonista instável e incapaz de se revelar como é, criador de tipos que parecem evaporar e dar lugar a outros no mesmo instante - os quais variam de "idiota" a "cretino", passando por "demente" também = trocar de empresário urgente!) e não pude me importar menos com essa volatilidade de influências (o Glam Rock é criado e degolado nos anos 70, just a fuckin' fase), estilos e personagens. É vergonhoso um filme pegar emprestado a estrutura brilhantemente revelatória de Cidadão Kane e menosprezá-la a ponto da completa ausência de facetas da galeria ali abordada (e quando tenta [10 minutos finais], é meio que too late, see you later). Jesus!

Nenhum comentário:

Postar um comentário