quarta-feira, março 10, 2004

Comentários express, versão deluxe:

Vi Dogville pela terceira vez, ontem, e... sabe aqueles filmes aos quais assistidos novamente perdem o impacto porque você já sabe o que vai acontecer em seguida? Não foi o caso. Acho que a discussão sobre a arrogância do perdão foi absorvida com mais satisfação, assim como o conflito coletividade e individualidade-intencionada. Quando se perdoa não há conseqüente exclusão da culpa do perdoado? Isso é arrogância, achar que se pode desequilibrar a ordem natural de reflexão - prostração - redenção com as palavrinhas que todos queremos ouvir: "Eu te perdôo". E as fotos da Depressão justapostas com Young Americans me tirou algumas lágrimas dessa vez, coisa linda. [93]

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Em Nome de Deus, o filme que todos os meus conhecidos torcem o nariz, é satisfatório. Concordo que nas resumitivas três histórias iniciais (especialmente na primeira, com raros diálogos em uma festa irlandesa) a intenção política de Mullan é direta, buscando generalização através da pura e simples exemplificação; e que o tom, por ora, é exagerado (as refeições de padrões diversos, uma maneira simplista de abordar a desigualdade; as freiras malvadas, os padres estupradores e essa conjugação de desinência + autoritarismo se alonga bem mais que deveria) mas existe certa força nas cenas em que garotas parecem divididas pelo ímpeto da revolta anti-institucional vs. o indireto merecimento daquele castigo, com suas respectivas consciências se esfacelando para um todo uniforme e cordial (bom exemplo: o roubo da corrente-telefone e o motivo do tal ato). Algumas das mais afetivas seqüências envolvem a luta pela própria sanidade, livre dos preceitos opressores que as vitimam (principalmente na mãe da criança que a observa atrás das grades) e do regime no qual religião = domínio e Bíblia = manual de tortura. Posso dizer que os cabelos soltos de uma das garotas no ultra-genérico esquema-de-filme-baseado-em-histórias-reais-que-acaba-mostrando-a-vida-(ou-ausência-dela)-de-suas-personagens elevou a cotação em alguns dígitos. Acho que gostei mais das partes do que da soma delas, em um conjunto um tantinho trivial (as mesmas observações e o mesmo modo de mostrá-las) e unilateral (filmes-denúncia puro-sangue, geralmente, não escapam dessa contradição), mas mesmo assim, prendeu minha atenção - o que é difícil. [55]

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A Vênus Loira é notadamente estranho e curioso. Na abertura, parece ter saído dos contos dos irmãos Grinn e com um corte maravilhoso (lagoa - banheira) presenciamos a concretização das flertadas iniciais; juntamente com o diagnóstico (sim, em um espaço de 5 minutos) de doença grave, causada pelo contato direto com radiação (Jesus!) etc. Bizarro, realmente, é ver Dietrich cantando "Hot Voodoo"; um Cary Grant meio deslocado como o galã-milionário-destruidor-de-lares; um esconde-esconde, com direito a um trabalho de iluminação sublime, na remota América do Sul, dentre outras. O conflito família vs. trabalho (o primeiro leva indiretamente ao segundo), fidelidade, adaptação das vontades próprias às duras circunstâncias e as próprias pessoas que fazem parte de seu círculo, amor ao filho, tudo é domado com exatidão e serenidade por Sternberg, quase como um libelo à força da mulher em situações-limite. Os cinco últimos minutos são uma maravilha: o garotinho tenta reunir os pais completando a história de amor do casal (à la Grinn) - e reclamando quando um deles não a contava da forma como ele se acostumara a ouvir - e dando corda em um de seus brinquedos musicais, incentivando a "mágica do reencontro". [67]

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