sexta-feira, novembro 12, 2004

11/11

RECONSTRUÇÃO DE UM AMOR (Christoffer Boe, 2003) 55
/O JOELHO DE CLAIRE/ (Eric Rohmer, 1970) 70

Comento esses dois mais adiante, basta dizer que a temática de ambos é parecida com a de Swimming Pool (de Ozon) e que Deus abençoe Schubert e Beethoven pela tentativa de criar uma linha emocional unindo as diversas camadas fascinantes de um filme que não chega a lugar algum (Reconstrução parece, aliás, Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças sem a lúcida tecno-psicografia, dirigida por Wong Kar-wai, versão cores frias). Já, Rohmer repete o mesmo (ótimo) filme mais uma vez, em uma disposição mais ensolarada, personagens e sua aparente auto-suficiência --> necessidades --> insegurança --> desilusão, repletos de ambiguidade e expansivos o bastante para colocar em xeque a homogeneidade desta com a de outros (ver o título do meu texto não concluído sobre o diretor: Sobre pedras e telhados de vidro, publicado nos arquivos de abril)


MAR ABERTO (Chris Kentis, 2003) 56

Kentis filma como turista de primeira viagem: nutre um interesse fugaz (contextualização apressada) quase fetichista pelo despojamento tropical (artesanato local, papagaios, flores, vegetação nativa, água de coco, tudo, como um álbum de fotografias - são pequenos relances com câmera fixa) e é fato que o 'primeira viagem' supracitado indica decisões típicas de marinheiro novato, com diploma saído do forno na mão, como: a) no momento em que os integrantes do grupo de mergulho descem ao mar é mostrado plano (acima da superfície, antes da queda) e contraplano (abaixo da superfície, após a descida) em virtualmente todos os casos; b) talvez em uma tentativa de resgatar a natureza abstrata da entidade de A Bruxa de Blair, Kentis adiciona uns fachos de luz (ou apenas extrema - DV! - saturação do fundo do mar, admitidamente não sei), turvando a água e tornando elementos bastante palpáveis (tubarões! 'reais!' berra o material publicitário, que ainda acrescenta 'baseado em fatos reais') em algo de natureza mais nebulosa; c) nas Cenas Catárticas (resumo da ópera: resista, não me deixe sozinha!), um coro de vozes estranhas é acrescentado à trilha, a eloqüencia soa bizarra. Mas Kentis tenta, e com invejável força de vontade, e o filme se torna irresistivelmente B.

Os protagonistas equalizam férias como descanso e relaxamento completo e fazem questão de admitir o quanto seus ombros pesam de afazeres e bipes de celulares (aliás, umas três ligações só nos primeiros minutos já indicam: Cuidado, Casal Estressado) e essa inversão é tão brutal que é difícil não vê-la com olhos mais céticos (uma guinada 360o. = ironia barata) . Existe uma cena linda, a minha cara: os dois estão no banheiro da cabine escovando os dentes, ambos prontos para o segundo ato do processo - bochechar com água corrente - e quase batem a testa quando o fazem ao mesmo tempo, daí ele cede a vez enquanto espera com ares de 'o que se pode fazer numa situação como esta?'; outra interessante desvirtua espirituosamente o motivo habitual para que um casal acorde de madrugada (espectadores que entrarem sem saber absolutamente nada do filme, somente que é um suspense/terror, apreciarão), no caso, um inseto qualquer leva o homem ao senso de vigilância e a mulher à condição de protegida, debaixo dos lençóis. São pequenos momentos de intimidade encontrados aos milhões na obra-prima selvagem Twentynine Palms (até mesmo a 'conversa de travesseiro' com 'você está com desejo hoje?' --> 'não, estou cansada.' parece instigante). A deriva, as coisas ficam tanto (ainda) mais interessantes quanto sutilmente, bem, derivativas. Da pose estupefata (americanos médios segundo a concepção anti-americanista), ao grito que, inutilmente, tenta esvaziar a raiva e ressaltar a impotência, até os clássicos questionamentos 'se você não [...], nós não estaríamos aqui' e as picuinhas esquema 'a batata quente é sua', o filme segue com pulso firme e algumas observações sobre comportamentos em situações-limite estão incluídas, mas talvez o calcanhar de Aquiles desse Projeto Greenlight (TNT) seja a pretensão de retirar um caldo surpreendente e revelador a partir de uma polpa comprometida pela credibilidade duvidosa (quantas vezes já vimos esse filme? quantas vezes a experiência foi recompensadora?), em condições tão precárias e limitadas quanto as quais seus protagonistas estão imersos (nota: sem menções de que essa aura 'sem captação de recursos' contribui para ressaltar a agonia apresentada, certo? seria dar crédito em excesso para Kentis). A volta ao primitivismo com a perda de qualquer orientação geográfica/terrestre e necessidades básicas - comer, beber e urinar - relativizadas é um tema mais que óbvio quando se priva dois seres que configuram internet e celular como necessidades, de tais ferramentas. Ainda assim, existe certo fascínio em observar a volta dos filhos pródigos à Mãe Natureza em seu estado bruto/selvagem.

Acenando com Bandeira Branca Versão Shark Attack -- Momento Bizarro: ela diz: "algo me mordeu." --> CU na água-viva; ele diz: "algo também me mordeu." --> CU na água-viva. O que será que o protagonista de Bright Future iria pensar?

Pergunta que Não Quer Calar: alguém considera mesmo o final corajoso? por favor, tenham dó etc., é apenas a segunda opção de um leque de duas.


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