terça-feira, dezembro 14, 2004

O EXPRESSO POLAR (74)

Obviamente especial: o protagonista cético com o recorte da 'greve dos papais noéis' nas mãos e observando em modo meu-mundo-ruiu uma menina, de sua idade aparente, com a barba e traje do bom velhinho em uma capa de revista são de uma delicadeza impressionante; até mesmo pela sua reação natural: contar a 'grande farsa' para sua irmã (ato, sabiamente, não encenado) prontamente desmentido pelos pais. A questão da fé abalada é filtrada no processo de reconquista da capacidade de confiar em algo; isso diminui drasticamente a ênfase no conceito de fé da doutrina cristã, adaptando-o para uma instância que equaliza confiança e segurança - nos minutos finais, pós-viagem, a ansiedade insone do protagonista, verificada antes dela, desaparece. E talvez os momentos mais belos sejam aqueles em que a confiança absolutamente firme e segura da menina (ver cena do freio de mão, com o protag. optando pela alavanca escolhida por ela) é transmitida via amizade/convivência ao Nosso Herói e ao menino pobre, ou seja, a 'adesão' do trio se manifesta como adesão 'de causa'.

Gratificante é notar que o filme não concentra o 'espírito natalino' no intercâmbio de presentes; nos momentos finais, com a já prevista aparição de Noel, o clima 'É Natal' foi previamente dissecado através da independência do trio ao desbravar o local. Essa sensação de descobertas é ratificada por meio de duas vias: a) o trio de amigos é tratado como recipientes 'vazios' ávidos por alguma experiência única e transformadora (algo que geralmente não aprovo com frequência); b) essa bravura questiona, de alguma forma, a autoridade do oficial da embarcação (Tom CGI Hanks), o que deixa tudo mais estimulante*. E a trajetória culmina em algo perigosamente próximo do preocupante com o protag. desperto, rasgando o casaco e se deparando com uma locomotiva (/expresso) que sua irmã ganhou de Natal (referências à noite anterior); tal onda incrédula se dissipa com a abertura do presente ganho nessa aventura, tornando-a 'real' e demarcando, com certeza, que aquilo não foi um sonho. Eu juro que esperava a perda irrecuperável do presente com o menino acreditando pelo fato de acreditar, sem uma prova concreta da existência daquele expresso, mas isso não seria muito cristão de minha parte? Talvez, mas a ambiguidade resultante se sobreporia a essa visão do espírito natalino materializado internamente, sem interferências externas. Provavelmente foi melhor assim, substancialmente menos reacionário, creio. O curioso é que essa ambivalência se integra perfeitamente a essa 'fé cega' cristã.


Décimos extra como bônus pelo solitário acima do trem e sua postura despojada de 'tudo tem seu tempo', antecipando muito do que irá ocorrer no decurso da metragem & por sequências impressionantes, incomparavelmente melhores que à Hora (sim, uma hora em sua totalidade) do Vamos Ver de Os Incríveis.


* não estou estimulando esse tipo de comportamento; não façam isso, crianças, na minha opinião.

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Shaun of the Dead (12/12) 53
/Sob a Névoa da Guerra/ (13/12) 67


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